Dois álbuns depois, 3 anos depois, Medeiros/Lucas encerram uma trilogia que começou com Mar aberto e que teve continuidade com Terra do Corpo. Agora, o conjunto açoreano lança o “Sol de Março”, um álbum que consolida a linguagem enquanto grupo e que contou com o trabalho de João Pedro Porto pela segundo álbum consecutivo. O Música em DX entrevistou Pedro Lucas, em vésperas do lançamento do álbum.
Música em DX (MDX) – Porquê “Sol de Março”?
Pedro Lucas – Era uma expressão que estava num dos versos que o João Pedro Porto escreveu e que achámos que expressava bem aquilo que queríamos abordar neste disco. Trata-se de um disco que fala sobre um movimento de procura de respostas, de luz no meio da sombra. Num p.s., entretanto há duas semanas tivemos um “momento Diogo Piçarra” ao descobrir-mos que o Tiago Bettencourt já tinha uma canção com esse título há uns tempinhos.
MDX – Quais foram as referências para este álbum?
Pedro Lucas – Por um lado é um disco que que acho que consolida a nossa linguagem enquanto grupo, e que vai buscar as mesmas referências de sempre: seja a música tradicional do norte de África, a música “alternativa” mais ocidental, e alguma música portuguesa influenciada pela música das ex-colónias (Zeca Afonso, Fausto, José Mário Branco). Por outro lado este disco adiciona um novo elemento mais ligado à música minimal de alguns compositores norte-americanos: Steve Reich, Terry Riley, Laurie Anderson, etc..
MDX – Em Lampejo, o que é que há para ver?
Pedro Lucas – “A visão monda da idade…Tudo, visto de um lampejo”, está na letra. Pelo menos é isso que o personagem da canção quer ver, se isso existe para ser visto é que já não me parece que haja muita gente que o possa responder.
MDX – E quem é a Elena Poena?
Pedro Lucas – É uma senhora que, como o Sísifo, rolava uma pedra montanha acima e abaixo só que um dia aconteceu-lhe que a pedra se recusou a rolar. Perdendo as referências a que estava habituada ela vai à procura de saber o que fazer com essa nova liberdade e com um mundo novo que se mostra bastante opaco à primeira vista.
MDX – O que significa este Sol de Março, relacionado com o Mar Aberto e Terra do Corpo? É o encerrar de uma trilogia?
Pedro Lucas – É o encerrar de uma trilogia que, por mero acaso, terminou cronologicamente no Sol de Março. Não existe no entanto uma ordem sequencial entre os vértices deste triângulo, qualquer um poderia ser o primeiro ou o último, todos são porta de entrada e de saída e podem ser misturados (qual cocktail) muito bem. O Mar Aberto abordava a emoção, o desprendimento romântico, a Terra do Corpo fala sobre a fisicalidade do corpo e o seu encontro com outros corpos no espaço social, e o Sol de Março tem os mecanismos da razão no seu centro.
MDX – O que acaba por ter em comum os três álbuns? Qual é a mensagem que acabam por querer passar?
Pedro Lucas – É uma boa pergunta. De que somos seres constituídos por (pelo menos ou acima de tudo) esses três pólos, que todos eles se manifestam no nosso dia a dia, todos trazem tensões e conflitos, e que cada um de nós tenta trilhar caminho pelo meio dessa nuvem. Os discos são uma expressão dessas batalhas, interiores e exteriores, e espero sobretudo que as pessoas possam reflectir as suas experiências nessas estórias. Com a entrada do João Pedro acho também que foi assumida uma certa moralidade onde, no meio dessas lutas, se tenta criar um farol de valores elementares: respeito pelo próximo, solidariedade, perseverança, consciência, conhecimento…
MDX – Acaba por ser o terceiro álbum trabalhado entre o Pedro e o Carlos. Como foi trabalhar e evoluir esta relação entre os dois?
Pedro Lucas – Foi boa, acho que aprendemos a lidar melhor um com outro, a perceber as potencialidades e os limites de cada um, e a sedimentar um processo de maior respeito pelas diferenças mas que também desse espaço para desafiar esses limites. O Carlos acabou por se afastar um bocadinho do processo criativo a partir do segundo disco, onde entra o João Pedro Porto. Assumiu uma posição de distanciamento onde vai participando mais cirurgicamente e com uma posição mais crítica, o que também é óptimo. Há uma outra faceta desse evoluir que tem a ver com o facto de Medeiros/Lucas ser hoje em dia um conjunto de quatro pessoas, juntamente com o Ian Carlo Mendoza e o Augusto Macedo, que também contribuíram mais a cada disco para a construção da nossa sonoridade.
MDX – Exportar cultura dos açores para Portugal Continental? É mais fácil nos dias de hoje?
Pedro Lucas – Deslocar o que quer que seja é mais fácil nos dias de hoje, sobretudo informação.
MDX – Ter um festival como o Tremor também ajuda a dar a conhecer mais a cultura açoriana?
Pedro Lucas – Sem dúvida. Não só promove a diversidade e potência que se criem novos projectos com novas linguagens nos Açores, como também acaba por ser uma montra real para alguns desses projectos que têm, durante os dias do festival, um público que extravasa a população local e uma janela mediática para fora das ilhas. O Tremor é um caso exemplar (pelas dinâmicas que tenta construir com a população local) e o que estará em maior sintonia com aquilo que se vai fazendo dentro da cultura alternativa por esse mundo, mas existem mais estruturas que têm participado nesse trabalho ao longo da história recente, seja o Festival Maré de Agosto, o extinto Rota dos Bons Ventos, o Jazzores, o Angra Jazz, o fenómeno Sandro G, etc…
O concerto de lançamento de Sol de Março vai acontecer no próximo dia 29 de Março, no Teatro Ibérico, em Lisboa.
Entrevista – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Joana Komorebi | Medeiros/Lucas