Quando, achávamos nós em 1995, os membros dos Slowdive decidiram seguir rumos opostos, deixando uma das mais importantes pegadas de Shoegaze da história da música, poucos acreditavam no seu regresso. No entanto, durante as décadas que se seguiram, registaram-se dois importantes factos: além de o interesse pela banda jamais se ter abreviado, a geração que nunca conheceu os Britânicos ao vivo tinha tanto interesse na banda quanto a geração qua a precedeu.
O ano de 2014 fez-se acompanhar por uma notícia que poucos esperavam: os Slowdive voltavam a reunir-se 20 anos depois do último álbum. Os concertos surgiram em catadupa, e nesse mesmo ano foram um dos momentos mais celebrados do NOS Primavera Sound, no Porto. O lançamento de Slowdive, o álbum homónimo, proporcionou o regresso do quinteto a Portugal. Desta vez tinham a Lisboa ao Vivo – a mais recente sala de concertos lisboeta – bastante composta para os receber.
Apesar da noite pertencer aos Britânicos, competiu aos Dead Sea a missão de receber os convidados. O quarteto Parisiense fez por merecer a atenção que recebeu, com um estilo assente no auto denominado Turbo Chilwave a lograr alguns tímidos passos de dança. Denotando-se pinceladas de Aphex Twin, Slowdive e, até, Beach House, temas como 8:50 e Lotion foram especialmente bem acolhidos por uma audiência mais interessada que o esperado. No entanto, foi com Know Where e o seu longo instrumental, que se verificou maior união entre a banda e o público. Apesar de um desconhecimento quase generalizado, foi agradável a reação que a banda fez por mereceu.
Curioso o público da sala: todos os estilos e todas as faixas etárias estavam representadas. Desde os mais novos aos mais velhos, desde os rockeiros aos betos. Todos eles brindados por Slomo – faixa do mais recente álbum – que inaugurou o concerto e iniciou as animosidades. Prosseguiram com o tema Slowdive, mas a primeira celebração geral deu-se quando surgiram os acordes de Crazy For You, transportou consigo um dos momentos mais emocionantes da noite, com todos os presentes de sorriso no rosto, muitos deles abraçados, talvez a relembrar os anos 90 e os bons momentos que já viveram ao som deste tema. A segunda faixa de Pygmalian é um completo marco na carreira: só uma banda com esta qualidade conseguiria produzir um dos seus temas mais reconhecidos repetindo dez vezes a mesma frase.
A boa acústica da sala favorecia um concerto que prosseguia com Star Roving, Alalyn I, No Longer Making time e a muitíssimo aguardada Souvlaki Space Station. O mood do público variava entre o exultante e o introspetivo, mas a satisfação era notoriamente generalizada. A banda e o público estavam em plena sintonia tanto nos silêncios como nos momentos mais eufóricos, o que tornava o concerto ainda mais especial e empático. De se notar o facto que When the Sun Hits, tema que esteve para não entrar no álbum Souvlaki, tenha sido responsável por um dos momentos mais altos da noite. Além de nostálgico, foi um momento de revivalismo realmente bonito.
Ainda não nos tínhamos recomposto deste momento e já Rachel nos atirava com o primeiro tema de Souvlaki, música sobre um sonho ébrio com uma rapariga de seu nome Alison. “I guess she’s out there somewhere”, a emblemática frase com que a banda termina esta música e que terá deixado muitos dos presentes a pensar em pessoas que fizeram parte das suas vidas, mas que, por algum motivo, deixaram de manter contacto. Este mote serviu para Sugar for the Pill, um dos temas mais conseguidos do último álbum. Além de musicalmente sublime, de salientar a incrível coerência do alinhamento: o quinteto fala-nos sobre uma relação em When the Sun Hits, sobre o seu fim em Alison, e agora, como o nome indica, uma metáfora sobre tornar algo mau em algo mais tolerável: Sugar for the Pill.
Depois de um curto encore, em que a plateia aplaudiu incessantemente em uníssono, a banda de Reading volta ao palco para mais três malhas: Dont Know Why, Dagger e 40 Days. Sendo Dagger a mais celebrada das três – percebe-se porquê – foi assinalável o respeito da plateia aos silêncios da música. Silêncios esses que não subtraíam qualquer relevo, intensidade ou emoção à música, muito pelo contrário. Numa noite em que o público se mostrou bastante nostálgico, os Slowdive perceberam com mestria quando acelerar e abrandar o concerto, não precisando de demasiadas palavras para criar uma relação empática com o público. A banda, que beneficiou imenso de uma sala fechada e das suas condições acústicas, ofereceu um concerto transcendente, que dificilmente terá gorado as espectativas de qualquer aficionado. Quando saímos as caras eram de imensa felicidade e agradecimento. Foi bonita a noite.
Texto – Tiago Pinho
Fotografia – Luis Sousa