A expressão “no meu tempo” é normalmente aplicada pelos mais idosos em momentos que recordam vivências antigas de muitos anos passados. Referem-se a factos longínquos, de exemplo normalmente comparativo com algo que na altura era ou muito melhor, ou muito pior. “No meu tempo é que era bom”, ou “no meu tempo isto não acontecia”, etc, são todos exemplos desta expressão que não usamos porque não temos a experiência de vida suficiente para o fazer. Bom, não tínhamos, até hoje. Porquê? Matiné. Matinés. No meu tempo, e já o posso dizer, no meu tempo é que haviam matinés. Normalmente aos sábados e aos domingos. Matinés onde assistíamos aos primeiros concertos de garagem, onde íamos aos primeiros bailes para ouvir música e dançar, e com sorte, arranjávamos os nossos primeiros namoricos. Saídas devidamente autorizadas pelos nossos progenitores, ali perto das 18h, desde que fôssemos com amigos, o local da matiné fosse próximo, e chegássemos a casa antes da hora do jantar. Pois, hoje recordámos esses temos, o das matinés.
O conceito é interessante, e tem potencial. A um domingo, ali entre a hora em que já “passámos pelas brasas” (depois da molenguice do almoço) e a hora do jantar, a hora da matiné tem muito potencial. Ainda para mais se for às portas de casa – não foi o caso – e o programa for aliciante – este era o caso. Referimos-nos à matiné, ou as “matinés concerto”, do bang venue, uma organização que promove a cultura e, na nossa experiência em particular, a música, numa cidade que não sendo longe, também não é perto do grande centro que é Lisboa onde tudo acontece.
Em Torres Vedras coisas acontecem se existirem organizações que acreditem que podem mudar os hábitos de uma cidade, e levar até elas a cultura que normalmente só encontram a 50km (ou mais) de casa. Demora a criar o hábito, certo. Mas se não existirem, quem acreditará que pode ir a uma matiné assistir um grande concerto, e quem sabe, dançar, ou até ter a sorte do inicio de um namorico como “no meu tempo”? Posto isto, e porque o programa era de facto aliciante, juntámos-nos ao Bang Venue na matiné de Domingo 25 de Março para um concerto que era para nós esperado e especial, o reencontro com os libaneses Postcards depois de um mini concerto na Pensão Amor em 2015 e um concerto intimista numa sessão Sofar Sounds em Lisboa em 2016.
Não é vulgar conhecermos bandas oriundas de tão oriente para tours europeias, ainda para mais com a qualidade que esta banda indie rock nos apresenta. Liderada por Julia Sabra na voz (celestial), a banda apresentou-se em Portugal neste primeiro trimestre de 2018, em formato trio, para uma tour de 5 datas, tendo sido a data de Torres Vedras a sua última por nossas terras. Em apresentação do último trabalho editado este ano e entitulado “I’ll be here in the morning”, deparámos-nos com um conjunto mais curto que nos dois concertos anteriores, mas, convenhamos, mais “corpolento” em termos sonoros.
Quer na Pensão Amor, quer no Lost Lisbon, não sendo totalmente, os formatos foram tendencialmente mais acústicos que em Torres Vedras, o que foi para nós uma agradável surpresa. A voz límpida de Julia, e a forma muito competente com a banda se une durante todos os temas, já conhecemos; os acordes mais rasgados da guitarra neste trabalho de 2018 são um excelente complemento ao que já sabíamos. O novo álbum acabou por dominar a nossa matiné, mas a banda não podia deixar de nos presentear com temas de “What lies so still” (2015) como “Walls”, ou ainda uma cover dos Yo La Tengo, “Autumn Sweaker”, que fala do nervo e também do encanto de um primeiro encontro.
Apesar de não ter sido uma matiné esgotada no Bang Venue, asseguramos ter estado composta por fãs da banda libanesa. Gente eventualmente também saudosista das matinés de outrora e que deseja que mais sessões destas se repitam. Sabe bem quebrar a monotonia de um domingo que tinha tudo para ser igual a todos os outros, e sobretudo, é imprescindível mostrar a importância e participar nas iniciativas de quem tem o enorme trabalho de descentralizar e levar a cultura às outras cidades deste país que tanto se queixa que “só nos grandes centros é que tudo acontece”. Para nós, a nossa primeira matiné Bang Venue; para o Bang Venue, e já no próximo dia 8 de Abril, o primeiro ano de um trabalho de grande valor. Até à próxima matiné.
Texto – Carla Santos
Fotografia – Luis Sousa