Nascimento, vida e morte. Uma trilogia. Uma trilogia como o que Medeiros/Lucas fizeram com Mar Aberto, Terra de Corpo e Sol de Março. Se é o fim de um ciclo, ainda é muito cedo para o dizer, mas agora há mais um sol para contemplar e foi isso que se fez na passada quinta-feira, no Teatro Ibérico, para assistir ao concerto de lançamento do último trabalho.
Se formos a falar de nascimento, podemos referir neste primeiro concerto a atuação inspiracional de Dada Garbeck. Desconhecido para praticamente a totalidade da plateia, Rui Souza procurou no seu universo de sintetizadores (e em pouco tempo, porque foi sensivelmente meia hora de actuação) explorar histórias e temas que porventura podem parecer que não estão estruturados. De pés descalços, Dada procurou mostrar como o mundo pode ser agitado mas ao mesmo tempo contemplativo, melancólico.
Sem espaço para demoras, Pedro Lucas e Carlos Medeiros, acompanhados pela sua banda que fez mais de 1400km para estarem presentes nesta festa, subiram ao palco do acolhedor Teatro Ibérico. Sol de Março, que dá o mote ao álbum, dá igualmente início a uma viagem que se expande a uma simples viagem à sonoridade de uma banda com raízes nos Açores. É mais que isso. É uma viagem pelo mundo. Por sons que se expandem por África, pelo Mediterrâneo.
Em comparação aos outros dois projectos, este soa-nos mais completo. Tanto nas letras desenvolvidas e criadas por João Pedro Porto como nas melodias de Pedro Lucas. E na voz do Carlos Medeiros, que nos soa verdadeiramente como um contador de histórias, ou um marinheiro que tem muito para nos contar.
Se o início do concerto é frenético, intenso, há depois um período de calma, qual bonança depois da tempestade. Clarificação é um exemplo de uma das baladas tocadas pelo conjunto.
Medeiros/Lucas fizeram um raio-x completo ao álbum, com Lampejo, Obscurantismo (que até parece que não se encaixa neste álbum, mas é o reflexo de uma diversidade musical maior que não verifica assim tanto em Mar Aberto e Terra do Corpo). A volatilidade e a simplicidade da banda também acabam por ter relevo no concerto. O palco em si, não tem muitos adornos. Os adornos esses, estão na melodia, na música, na voz.
Não é só de Sol de Março que se faz o concerto, como tal, não foram poucas as menções feitas ao longo de duas horas ao Terra de Corpo e ao Mar Aberto, como por exemplo com Sede, que fez o público colaborar com a banda, toda a estalar os dedos.
Muito sui generis, vemos sempre Carlos Medeiros a andar por todo o palco, a contemplar qual outro membro do público, mas com o privilégio de estar no palco a ver tudo a ser criado e ainda a ter o prazer de dar corpo às letras. Ou então a observar o improviso da banda quando um dos sintetizadores ganha vida própria, antes de tocarem O Trapezista. Se calhar, o inesperado momento da noite.
Se houvesse espaço para dançar, a noite terminaria de pé, ao som de Elena Poena, um dos temas mais orelhudos deste último disco. Mas não havia, e também não foi o último, graças ao duplo encore que se viu.
Se estamos sempre a reescrever a história, também podemos reescrever os ditados populares. Se não há duas sem três, também com Medeiros/Lucas não pode ser à terceira é de vez. As histórias transatlânticas, depois deste disco, não podem ficar por aqui.
Texto – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Luis Sousa