Entre uma eletrónica rítmica alienada a uma poesia emotiva e uma junção entre post-punk orelhudo e hip-hop nu e cru, é difícil caracterizar a sonoridade de Sleaford Mods; de um lado, há beats chorudos e envolventes, enquanto do outro há um fuzilamento verbal de alguém a quem nunca falta palavras. Dão pelo nome de Andrew Fearn e Jason Williamson, respetivamente, e juntos fazem uma das duplas mais irreverentes dos últimos tempos.
Os Sleaford Mods têm-se tornado presença assídua em palcos portugueses desde 2015, não falhando nenhum ano desde então, embora sempre em âmbito de festival de Verão. Porém, quis o destino que o dia 17 de Abril marcasse a estreia da dupla em nome próprio por Lisboa, e logo numa Galeria Zé dos Bois completamente lotada, justificando só aí o seu regresso.
Não foi preciso muito tempo para deixar a sala de espetáculos do Bairro Alto num estado de ebulição completa perante a agressividade dos beats soltos por Andrew Fearn, sempre convidativos a uns quantos headbangings despedidos de preconceitos. Todavia, e aqui jaz o grande trunfo dos Sleaford Mods, a sonoridade dos britânicos (quase que) passa para segundo plano perante o absorvente jogo de palavras de Jason Williamson.
Trespassando um vasto leque de emoções, carregado de uma carga dramática quase a roçar o teatral, Williamson cospe verso atrás de verso com uma força avassaladora, longe de engasgues ou de entraves, sendo impressionante a quantidade de palavras que solta por minuto. Apesar de um sotaque britânico ferrenho, deveras impercetível para muitos que se encontravam na plateia, o espanto manter-se-ia inalterado.
Perante alguém que acata consigo o dom da palavra, Williamson inspira os seus ouvintes através de letras humildes, identificáveis, honestas e, acima de tudo, antiautoritárias; de realçar que grande parte do conteúdo lírico dos Sleaford Mods é reminiscente aos tempos autoritários que se vive pelo Reino Unido, tudo pelos olhos de indivíduo pertencente à ‘working class’. No final, Williamson acaba por ser (e ceder) a voz do povo, dando-a a todos aqueles que não têm a capacidade e os meios para se exprimirem perante as massas; é a revolução de um povo que anseia dizer ‘basta!’ à opressão.
Tal como acontecera há quase um ano, no NOS Primavera Sound, os Sleaford Mods trouxeram o seu mais recente disco, English Tapas, com grande parte do concerto a ocorrer em prol do mesmo; “I Feel So Wrong”, “Moptop”, “Just Like We Do”, “Cuddly” ou “B.H.S.” são apenas alguns exemplos das mais recentes canções da dupla que foram apresentadas para o público lisboeta, embora a noite ficara marcada com outras grandes êxitos como “Jolly Fucker”, “Jobseeker” e a inevitável “Tied Up In Nottz“. Todavia, a receção a estes temas não fora tão ‘arruaceira’ como se previa, ou não fosse o público daquela noite composto maioritariamente por uma faixa etária algo para o adulto; quem sabe se não haveria um ou outro mosh caso se andasse pelo MusicBox…
Em pouco menos do que uma hora, os Sleaford Mods chegaram, soltaram a sua revolta e deram tudo o que tinha de si, pelo menos julgando pela poça humana de suor que Jason Williamson se tornara. Na despedida, pedem desculpa não haver tempo para mais, pondo a culpa em cima da idade que já arrasta algum peso, mas embora esta pouco ou nada tenha acusada ao longo de uma das melhores poetry slams que a Galeria Zé dos Bois já recebera ao longo da sua célebre história de existência.
Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Vera Marmelo | Galeria Zé dos Bois