Segunda-feira e há concerto de The Jesus And Mary Chain no Coliseu dos Recreios de Lisboa. Que maravilha e foi muito bom, e… ficamos por aqui e não se diz mais nada? Poderia ser mas não, porque há muito para dizer e falar sobre este concerto. Para mim, pessoalmente que já os vi algumas vezes, este foi o concerto mais perto da grandiosidade que me marcou tanto, quanto quando os vi pela primeira vez nos anos noventa no Pavilhão Carlos Lopes. Percebi agora que os The Jesus And Mary Chain devem ser degustados idealmente em salas – é que a experiência em festivais perde-se um pouco, embora já dentro do Coliseu um amigo me afiançava que no ano passado deram um concerto fantástico no Festival de Vilar de Mouros.
Hoje tivemos direito a 21 músicas tocadas excepcionalmente bem, com os cinco músicos em palco super compenetrados. Para quem já viu a banda dos irmãos Reid, sabe do que falo. Aquele momento já considerado um “clássico” que noutras ocasiões acontecia quase sempre a certa altura – a coisa emperrar, chegando eles a parar temas a meio ou pouco depois do arranque e até parecia que os dois irmãos não morriam de amores um pelo outro. Nada de muito irreverente comparado com, reza a lenda, no início de carreira tocarem concertos de quinze minutos de costas viradas para o público. Os tempos mudaram e como disse o vocalista a certa altura do palco, agora é necessário falar com a audiência, algo que para ele que se diz tímido, acarreta alguma dificuldade.
Com Jim Reid mais falador do que habitualmente, o concerto começou antes com uma intro em fundo e que me pareceu ser algo dos Beach Boys. E num instante, os cinco músicos em palco arrancam com “Amputation” do mais recente disco, e logo depois com “April Skies”. – Estava dado o mote para uma noite de grandes músicas e de uma enorme devoção ao legado sónico dos The Jesus And Mary Chain. O Coliseu não esgotou mas pode ter andado lá perto, portanto o público que ali estava era o que resta desta juventude sónica de décadas passadas, com os ouvidos já treinados para saberem o que é um bom concerto e já não se deixam enganar, eram os verdadeiros fans, embora, facto curioso, também vi alguns jovens que nem sei se teriam idade para votar.
Dado isto tudo, o que estes escoceses tinham que fazer era serem iguais a eles próprios nos seus melhores momentos. Vimos uma banda oleada que continuou a dar clássicos em palco como “Head On” ou “Blues From A Gun”, no meio também com algumas faixas mais do mais recente Damage and Joy (2017). E se “Amputation” abriu muito bem o concerto, o excelente “Mood Rider” também causou estragos e, embora muito forte para um grupo que já vem desde os anos oitenta a conquistar os nossos corações e os nossos ouvidos, o novo disco embora um bom prenúncio, não foi a razão principal para a minha expectativa alta neste concerto. Não foi. Só veio confirmar que ainda existe irreverência e identidade própria nesta banda. Eu vim pelos clássicos. Confesso que nunca ouvi “Teenage Lust” tão bem tocado como nesta noite e mesmo antes, tínhamos ouvido “Snakedriver”. Melhor do que isto a uma segunda-feira à noite? É difícil. E rapidamente se chegou ao fim, é que o tempo bem passado é passado assim.
Antes do encore ouvimos por exemplo o excelente “All Things Pass” , música do novo disco ou “Some Candy Talking” (com o falso arranque) tema tocado no fio da navalha com a secção rítmica a segurar a difícil canção e as guitarras de William Reid a caírem no compasso certo com o seu feedback personalizado. “Darklands”, já ecoava a fazer adivinhar o final e já tinham tocado bem mais de uma dezena de canções. Para atingir o auge tivemos “Reverence” que abre o disco Honey’s Dead 1992, que aqui no Coliseu encerrou de maneira magistral o set antes da primeira saída de palco.
Não lhes foi difícil recuperar o fôlego. O obrigatório “Just Like Honey” , com uma também habitual vocalista convidada, levou a audiência ao habitual delírio com o tema que em tempos revitalizou a carreira da banda. “Cracking Up”, foi outro ponto alto juntamente com o novo e belíssimo “War On Peace” para mim, o clássico instantâneo do mais recente disco. “I Hate Rock’n’Roll” fecha o concerto. Já ninguém pede mais com muito entusiasmo. Porque estão todos de barriga cheia. É como uma refeição dos deuses em que os comensais já estão mais que saciados. No final é isso mesmo estamos divinamente saciados. Melhor é impossível. Foram 20 ou 21 músicas e todas tão bem escolhidas. Todas elas tão bem tocadas e cantadas. Magnífica juventude sónica que (n)os habita ainda. A semana começou muito bem.
Texto – Pedro Corte Real
Fotografia – Luis Sousa