Tem 25 anos e um mundo pela frente. Luís Severo lançou o ano passado o seu segundo disco, Luís Severo, e tomou a música portuguesa por assalto: são oito canções de pop simples e de cariz emotivo, onde melancolia e paixão se cruzam para dar aso a um dos melhores discos portugueses dos últimos tempos. Presença assídua em inúmeras publicações referentes aos ‘melhores de 2017’ e uma vasta legião de fãs, crescendo a olhos vistos, tornaram o artista de Odivelas como um dos músicos mais acarinhados do momento.
No dia 9 de Junho, o música prepara-se para subir ao palco Seat, a mais recente novidade do NOS Primavera Sound. Como um dos poucos artistas portugueses a constar no cartaz do festival do Porto, a Música em DX teve a oportunidade, em Maio último, de falar com Luís Severo, tanto para saber como está a ser a vida pós homónimo e quais os planos para o futuro.
Música em DX (MDX) – Foi complicado arranjar tempo para este entrevista que tens estado muito ocupado a dar concertos em prol do teu mais recente disco. Tomou-te por surpresa o alarido que se gerou à sua volta?
Luís Severo – Para muitas pessoas, que não me conheciam, foi este disco que as iniciou perante a minha música. Ainda assim, eu que vivo isto há dez anos, tenho sentido esta evolução como uma coisa que tem acontecido aos poucos, ou seja, com o passar de cada disco sinto que vou evoluindo mais um pouco. Nesse sentido, o meu disco anterior representou uma grande mudança para mim na medida em que antes eu tocava apenas para os meus amigos, e foi ele que me levou a ver que o meu público tinha-se alastrado bastante, embora não tanto como agora. Com este novo disco, sinto que me descentralizei um pouco, que era algo que queria, porque aqui por Lisboa eu sempre tive um público ‘fixo’, e aquilo que agora me surpreende é quando dou concertos pelo país e sinto que aí também já conquistei um público, e isso é algo que me deixa satisfeito. É um pouco como o futebol: jogar em casa é sempre fácil, já quando é fora, a conversa é outra.
MDX – Em termos de visibilidade, o que consideras que diferiu entre o teu novo disco e o anterior?
Luís Severo – Este novo disco contou com pessoas que se empenharam bastante na divulgação e na produção. Pessoalmente, acho que este novo acaba por ser superior ao último e espero que seja inferior ao próximo, visto que estou numa fase ascendente da minha ‘obra’ e não quero que esta comece já a fraquejar.
MDX – Inúmeras foram as publicações que consideraram o teu disco como um dos melhores lançados no ano de 2017. Em algum momento, enquanto o gravavas, esta recepção passou-te pela cabeça?
Luís Severo – Sendo sincero, eu só penso nessas coisas quando o disco já está feito. Quando escrevo um disco, eu faço os possíveis para que o resultado seja o melhor possível, mas tento não pensar muito no reconhecimento público.
MDX – Tens tocado um pouco por todo Portugal. Como é que tem sido o feedback pelo país?
Luís Severo – Para mim, isso é aquilo que me tem sabido melhor. Por exemplo, no outro dia toquei nas Taipas (Guimarães) e estava cheio. Tenho estado a tocar por muitos sítios e não me posso queixar por falta de público, o que é fantástico; a pior coisa que nos pode acontecer é ter uma data agendada e não saber se se vai ter público. Isso era um medo que fui perdendo com o tempo.
MDX – Os teus concertos alternam tanto entre banda, formato acústico e a piano. Qual é o registo em que te sentes mais confortável?
Luís Severo – A guitarra é o instrumento em que me sinto mais à vontade, portanto se nos questionarmos “qual é o mais fácil?” então seria esse, pois apesar de não ser um grande guitarrista, faço coisas muito simples que me possibilitam interpretar as músicas de tal forma que eu já nem tenho de pensar no que é que estou a fazer com as mãos, podendo simplesmente concentrar-me no canto. No caso do piano, aí já passo a fazer coisas que são de uma complexidade bem mais elevada e em que foram necessários múltiplos ensaios, e mesmo agora ainda não sinto totalmente aquela sensação de não ter que pensar sobre o que estou fazer, embora já estou a tocar tantas vezes essas canções que sinto estar quase no nível da guitarra, isto na interpretação de canções. Quando estou a tocar com banda, não tenho tanta liberdade para jogar com todas as componentes como quando acontece a solo, por exemplo, em banda não posso mudar a dinâmica das canções de forma repentina. Mesmo assim, gosto de tocar em banda porque, apesar de não ter tanta liberdade, sinto que me pegam ‘ao colo’ e dão-me mais músculo para que o som chegue a mais pessoas. Gosto de tocar das três formas, mas no final do dia, relaciona-se tudo um pouco com o contexto.
https://www.youtube.com/watch?v=2q4fZRfxbnU
MDX – A ‘simplicidade’ é algo que predomina na tua sonoridade. Há quem veja isto como forma de dar maior destaque ao teor emotivo de cada canção. Concordas?
Luís Severo – Sinceramente, eu acho que as minhas músicas não são todas assim tão simples: cada vez mais eu sinto que as tenho complexado, mas gosto que quem as ouça ache que são simples. Não tenho qualquer interesse em criar, nos meus ouvintes, um sentimento de afastamento por as canções serem demasiado complexas, ou seja, gosto que haja alguma proximidade para com eles. Para mim, essa proximidade tanto é fruto das canções como também da forma como me apresento: nunca tive grandes artifícios nem ferramentas de espectáculo.
MDX – A proximidade que tens com o público ficou evidente quando esgotaste o MusicBox numa data tão simbólica como a do Dia dos Namorados. Deves ter ficado radiante por teres visto tantos casais que optaram por passar a ocasião contigo do que sozinhos, presumo…
Luís Severo – Sim, tanto que o nome do espectáculo era mesmo “Boa Companhia”, apesar de um lapso ter levado a que os bilhetes o identificassem como “Engate”, que tinha sido o nome inicialmente proposto pelo MusicBox. Aliás, face à afluência da sala, até acho que se poderia ter feito uma segunda data, mas gostei muito dessa noite. Essa foi especial para mim porque foi uma desculpa para me encontrar com alguns amigos com quem já não tocava fazia algum tempo, como a Cristina (Branco). Quis fazer um concerto de ligação com pessoas que me acompanharam ao longo do tempo, e espero que as pessoas tenham gostado tanto como eu.
MDX – Um dos elogios que te fazem é tua capacidade em criares sensações de ‘bem-estar’ e ‘conforto’ nas tuas canções, assim como um teor de fácil identificação. Como é que te sentes ao saber que tens fãs que se revêm nas tuas canções, que estas conseguem retratar aquilo que eles sentem/pensam?
Luís Severo – Isso é bom, e vai um pouco em conta àquilo que eu faço: música para eu me sentir bem. Há músicos que só fazem músicas quando estão bem, e eu sou o contrário, e talvez isso seja uma forma de eu me sentir mais aconchegado. Acho que faz sentido que quem ouça sinta isso porque, quando eu faço música, é uma forma de eu lutar contra todas as coisas que tenho dentro de mim e que me incomodam, como as minhas inseguranças. Eu quando escrevo, gosto de tentar contar histórias de uma forma pessoalmente universal, ou seja, de uma forma que faça sentido tanto de um ponto de vista micro como de um macro; o que eu tento é não falar por um colectivo, é tentar falar individualmente mas tentar romper com máximo de bloqueios que afastem certas individualidades para que tentem ser o mais colectivo possível… não sei se fiz muito sentido? (risos)
MDX – Para este ano terás um grande desafio pela frente: tocar em três dos festivais mais mediáticos do país, sendo um deles o NOS Primavera Sound. Vês estas oportunidades como uma recompensa perante todo o teu trabalho?
Luís Severo – Todos os festivais são importantes, assim como cada concerto que vou dar: não vou ter mais empenho num sítio que teria em outro. Não vejo bem como uma recompensa, simplesmente serão concertos diferentes que vou encarar com todo o empenho e seriedade possível, para os quais se vai ensaiar muito. Naturalmente que as condições serão diferentes, mas não considero que sejam uma recompensa “extra”.
MDX – Perante palcos tão grandes, há receio da tua parte que a tua música se perca um pouco pelo meio?
Luís Severo – Eu fiz questão de contratar um técnico de som em quem eu confio, o Manuel Sampaio, que não só tem experiência neste tipo de eventos como ele também está habituado a gerir o som de artistas que, à partida, não têm um registo muito rockeiro, muito explosivo.
MDX – Estiveste recentemente nos Açores, numa residência artística. Como foi esta experiência? Algum motivo especial por trás desta escolha?
Luís Severo – Foi muito bom. Isto surgiu dos Açores surgiu não como decisão minha mas como sugestão de uma pessoa que faz o meu agenciamento, o Joaquim Quadros (Vodafone.fm), e que achou que seria uma boa decisão para mim. A coisa foi acontecendo porque existe lá um centro, o Arquipélago, o Centro de Artes Contemporâneas, que é fantástico e demonstrou logo interesse em acolher-me. Estive lá a compor novos temas e gostei muito, sim.
MDX – Deduzo que esses novos temas sejam para o teu terceiro disco. Já tens uma janela de lançamento em mente?
Luís Severo – Se eu fizesse as coisas um pouco a correr, dava perfeitamente para lançá-lo já este ano, mas acho que só sairá no próximo. Por enquanto, também quero descansar um pouco. Estou a ponderar não estar tão ativo publicamente na segunda metade deste ano para que assim possa estar em estúdio a fazer o disco.
MDX – Mas pode-se contar com uma amostra do novo disco ainda este ano?
Luís Severo – Por mim, lançava os discos todos juntos porque gosto disso, desse mistério. Todavia, existe essa tendência de lançar um outro single, como foi o caso da “Escola” neste meu último. Por minha vontade, saía tudo ao mesmo tempo, acho mais ‘fixe’ assim.
MDX – Sentes algum tipo de pressão acrescida em suceder a um disco que foi tão elogiado?
Luís Severo – Acho que não. Quem é que hoje se lembra quem é que esteve nos tops em 2007? Essas coisas são o que são, e se eu não fizesse mais nenhum disco então daqui a um ano, ano e meio, já ninguém saberia quem fui. Claro que fico satisfeito por ter estado nos tops e tudo isso, mas essa é opinião de umas quantas pessoas pelos meios de imprensa que consideraram que o meu disco devia ocupar a posição X ou Y. Eu quero que o meu próximo disco fique o melhor possível, e gostava muito que as pessoas gostassem dele genuinamente. Já a crítica… vale o que vale.
MDX – Fruto dessa tua residência nos Açores, em que a Natureza te rodeava, é possível que o teu próximo disco seja um álbum conceptual?
Luís Severo – Por acaso sim, vai. Não sei se está diretamente relacionado com isso, porque eu antes de ir para os Açores já tinha isso em mente. O que é que eu próximo adiantar sobre o próximo disco? Sempre que parto para um novo, tento que ele seja totalmente oposto àquele que o antecedera, é sempre essa a minha tentativa; acho que o meu segundo disco é muito diferente do meu primeiro. Para este terceiro, quero continuar a seguir esta linha da diferença.
Uma tarde diferente será seguramente aquela que Luís Severo irá oferecer ao seu palco no dia 9 de Junho, no NOS Primavera Sound. Relembramos o porquê de termos considerado o concerto do músico como um daqueles a ter em conta no festival do Porto, a arrancar já na próxima semana, no dia 7.
Texto – Nuno Fernandes