Não é preciso ser um génio para perceber que King Dude tem uma relação especial com Lúcifer, e bastava este, que vos escreve, ter chegado atrasado e entrar precisamente a quatro ou cinco canções já decorridas do concerto e vislumbrar uma plateia numa espécie de reza em coro, num cântico ao nível do sussurro, “… Lucifer´s The Light of The World… Lucifer´s The Light of The World…” assim mesmo em jeito de missa solene, pensaria: ´Mas onde é que vim parar`.
E se missa solene é geralmente um termo que gosto para descrever bons shows acústicos em que o público entra na mesma introspecção solene e contemplativa que caracteriza uma missa, nessa noite a coisa foi um pouco mais animada. Mas já lá vamos… . Para começar, cheguei bastante antes do início e se realmente Thomas Jefferson Cowgill aka King Dude, e – parêntesis… com um nome de baptismo destes – (será?) só se pode ser uma personagem com algum carisma, e não há escolha. Iniciou o concerto com alguma ideia de alinhamento que tinha na cabeça, pelo que ele próprio logo admitiu que tocava o que queria e o que lhe parecia apropriado de uma forma expontânea, tanto que, quando a jeito de simpatia perguntou pela primeira vez o que queríamos ouvir, antecipou essa bela canção de dark folk – e vou escrever outra vez: “Lucifer´s The Light of The World – E foi o momento mais engraçado e memorável de todo o concerto quanto a mim, e se foi efectivamente alguma missa satânica este concerto com guitarra voz e piano, deve ter sido a mais descontraída e bem disposta que já vi.
Mas outros momentos houve também e recuando ao início, e aviso já que oitenta e cinco por cento do que ouvimos nessa noite faz alusão ao diabo, os restantes 15 minutos a Deus e a Jesus. Thomas Jefferson Cowgill começou a noite com “Deal With The Devil” só ele e a sua poderosa e elegante voz e a sua guitarra, a sua cerveja e o seu Jack Daniel’s do Tennessee e do lado por dentro no palco, um piano. Atacou a segunda música, “Jesus In The Cortyard” onde se ouve: “Jesus in the courtyard telling lies Satan’s in the cornfield starting fires”, a seguir “Born In Blood” e “River Of Gold”, e então lá tivemos direito à luz do mundo que é Lúcifer. A partir daí perguntei-me como é que King Dude ia manter o interesse. Rapidamente descobri que através de uma mescla de carisma, uma voz que à medida que aquecia ia ficando melhor, seja porque brincava dizendo que ouvia “Gremlins” na munição de palco, ou que precisava de um sítio para ficar nessa noite e que precisava de três mil dólares e que tocava ali no Sabotage nas próximas semanas todas as noites.
Quanto a mim, momentos bem dispostos de interação com o público que de qualquer forma já estava rendido. “Silver Crucifix” e “Vision In Black” (a soar ao vivo muito a Johnny Cash), ainda surgiram numa altura do concerto em que havia alguma formalidade a ser cumprida. E foi por essa altura que ouvimos “State Trooper” de Bruce Springsteen aqui tocada com aquela nota alta no final e tudo na voz de Dude, perdão, King Dude, embora já um pouco despido das formalidades e extremamente comunicativo, porque um rei é um rei. Eu é que por esta altura queria continuar a ouvir mais música e já apreciava menos conversa vinda do palco. Tivemos até direito a um tema novo que como ele próprio disse, ainda não sabia bem o que estava mal. Ficaria para dois álbuns à frente.
Seguiram-se depois duas músicas tocadas ao piano e de seguida umas duas na guitarra e com mais alguma conversa pelo meio, ouviu-se “Barbara Ann”, um dos meus temas favoritos deste artista amigo, de Lucifer. E em jeito de sumário, foi uma noite divertida em que a simpatia contagiante deste performer em palco, e o culto de que já goza em Portugal, aliada a uma muito boa voz lhe permite esta atitude descontraída e de proximidade com os fans.
Texto – Pedro Corte Real
Fotografia – Daniel Jesus