Antecipação e receio. No acordar do dia 7 de Junho, dia inaugural de mais uma edição do NOS Primavera Sound, foram estas as sensações com que muitos despertaram sobre: por um lado, o maior festival do Porto estava finalmente de regresso, mas parecia que este traria a chuva como convidado indesejado.
Ao longo do dia, a chuva nunca deu vestígios de abrandar, com muitos festivaleiros a procurarem inúmeros sites e aplicações de meteorologia para saber com o que contar para o resto do dia. Com a indumentária do dia a ser roupa quente acompanhada por impermeáveis, algo invulgar quando se pensa num festival, as precauções estavam tomadas para um dia que reunia grandes nomes do actual panorama musical, como Lorde, Father John Misty e Tyler, The Creator.
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Quase como por milagre, a intensa chuva que assombrou o Porto cessou por completo às cinco e meia da tarde, curiosamente a hora de arranque dos primeiros concertos. Quem costuma ir ao festival do Parque da Cidade, considera-o como sendo ‘mágico’. Aparentemente, com a bolha protetora que viria a proteger o recinto durante todo o dia, algo nos leva a crer que esta suposição não é de todo falaciosa…
Dando o pontapé de saída para mais uma edição no NOS Primavera Sound esteve uma paixão conjunta pela música, que uniu um austríaco e um inglês: os Foreign Poetry.
A dupla constituída por Danny Geffin e Moritz Kerschbaumer conheceu-se em Brixton e desde então que se tornaram inseparáveis, com o primeiro fruto da relação a ver a luz do dia já em Setembro, apelidado de Grace and Error on The Edge of Now.
Desvendado um pouco o véu que cobre o primeiro disco de originais da dupla, que contou com a ajuda do “nosso” Benjamim, é evidente a grande cumplicidade que une os Foreign Poetry. Aliás, não parece nada que se está perante um registo de estreia, tal não é a sonoridade detalhada e polida assinada pela dupla, com as canções a surtirem uma paz de espírito imediata, como são os exemplos de “Sparks” e “MHL”. Uma bonita surpresa para começar o dia, sem dúvida.
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Com a chuva a ter finalmente dado tréguas ao público do NOS Primavera Sound, um estado de contentamento e felicidade tremenda apoderou-se do público. Como tal, uma celebração seria necessária, e veio da forma mais quente possível, através das tendências cabo-verdianas dos Fogo Fogo.
Com um Palco Seat bem composto para uma hora tão diurna, os contagiantes ritmos africanos dos Fogo Fogo, que despertam uma incontrolável necessidade de dança, iam conquistando os sorrisos de um público ainda meio carrancudo por toda a chuva que tinham enfrentado momentos antes. Todavia, esse estado de espírito lá que se foi transformando em alegria, com um comboio de pessoas a formar-se entre canções e soltar muitas gargalhadas pelo meio. Em pouco mais de meia hora, os Fogo Fogo representaram exactamente o papel que a música desempenha num festival: a capacidade de unir pessoas.
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Apesar de nuvens cada vez mais cinzentas continuarem a decorar o céu do Parque da Cidade, os primeiros vestígios de trovoada só apareceriam quando os The Twilight Sad subiram ao Palco Seat, com as descargas do seu shoegaze a serem destrutivas, como se de relâmpagos se tratassem.
Oriundos de um país cujo clima não abona como solarengo – “este tempo lembra-nos tanto da nossa casa”, dizia James Graham em agradecimentos entre canções – o grupo escocês trouxe a dose certa de shoegazing, carregada e rasgada, capaz de romper pelos céus negros do Porto tal não era a intensidade dos decibéis com que os The Twilight Sad conquistavam o auditório do Palco Seat.
Desde “There’s a Girl in The Corner”, passando por “Last January” e culminando com “And She Would Darken the Memory”, os The Twilight Sad demonstram que tanto a beleza como o caos conseguem coexistir, com o forte sotaque escocês de Graham a complementar a complexidade estrondosa dos mil e um efeitos proveniente das guitarras de Andy MacFarlane; um mais do que digno representante do shoegaze no cartaz do NOS Primavera Sound deste ano, quis-nos parecer.
Ao passar-se pelas imediações do Palco Super Bock, era impossível não reparar no estado de caos que vigorava por ali: eram os Starcrawler, uma banda de punk rock americana que levava a cabo uma descarga intensiva de rock, cuja sonoridade remetiam-nos para o melhor que se fazia nos anos 70.
Jovens de tenra idade mas com a genica de gente grande, os Starcrawler lideraram o rock de vanguarda no primeiro dia do NOS Primavera Sound, com guitarradas incendiárias a funcionar como cartão-de-visita ao público do festival. Todavia, aquilo que prendia mesmo os presentes era a personalidade extravagante da vocalista Arrow de Wilde, uma deslumbrante jovem que fica possuída no preciso momento que sobe a um palco.
Com um conjunto de comportamentos inesperados, deixando o público num estado de curiosidade perante o que viria a seguir, Arrow de Wilde, tingida de sangue pela boca, embarcou numa peça teatral que deixava tudo e todos surpreendidos perante a jovem, tudo isto enquanto os Starcrawler encantavam com o seu tenro mas forte conjunto de canções.
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Sensualidade alienada a melancolia. Pode soar paradoxal, é um facto, mas Milosh, o cabecilha dos Rhye, fá-lo soar como a coisa natural do mundo.
Apesar de não fazer nem um ano desde a última passagem de Ryhe por Portugal, a verdade é que Blood, segundo disco de originais, foi lançado nesse espaço de tempo, tempo este mais do que suficiente para que o (numeroso) público que se abrigava pelo Palco NOS se perdesse de amores pelas novas canções de Milosh.
Anteriormente, Rhye era Milosh e Robin Hannibal, mas com a partida do último, apenas o canadiano permanece no projeto, levando a que o vocalista conte agora com uma numerosa banda de apoio, com violinos, contrabaixo e sintetizadores pelo meio, para reproduzir as mágicas melodias de Ryhe.
Com um R&B incontornável, onde o doce timbre de Milosh tem direito a todo o protagonismo que merece, Rhye é música que enfeitiça e apaixona, e difícil é não nos perdermos de amores por uma obra tão pura e sentida como a do canadiano. Contrabalançando o teor romântico de novos temas como “Taste” e “Please”, com canções mais antigas e quase dançáveis, com “Hunger” e “Last Dance” a serem os principais destaques, foi bonito de se ver como a doce sonoridade de Rhye não se perdeu pelo meio do principal palco do festival.
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Por mais doce, encantadora e até mesmo romântica que as canções de Ryhe possam soar, a verdade é que mais nenhum artista nesse dia conseguiria chegar aos calcanhares do ‘barbudo’ favorito da atual cena de música alternativa na tarefa de enaltecer o quão bela pode ser a paixão; falamos, naturalmente, de Joshua Tillman, ou Father John Misty para os amigos.
Mesmo com um novíssimo álbum na calha, que completaria uma semana de existência no preciso dia 7, a verdade é que Father John Misty apresentou-se em jeito de best of, num concerto que em nada desapontou a vasta legião de fãs do ex Fleet Foxes, embora o inicial atraso de quinze minutos tenha testado as suas paciências.
Outrora animal de palco, Joshua Tillman apresenta-se como um homem bem mais contido do aquele com que nos familiarizou, embora a entrega no seu forte leque de canções se mantenha praticamente inalterado, notada especialmente logo no início quando resgatou alguns dos seus temas mais antigos, como “Nancy From Now On”, “Only Son Of The Ladiesman” ou “Chateau Lobby #4”.
Charmoso como sempre, de camisa meio apertada, blazer casual, cabelo para trás e óculos escuros, Father John Misty e Portugal têm uma relação bem cimentada, com material que a faça durar por muitos anos, o que à primeira vista tornava a decisão de o remeter para o Palco Seat como algo dúbia. Todavia, quando Tillman começa a remexer no seu novo álbum, tocando quatro canções do mesmo de rajada, é notório o clima intimista que um palco de dimensões mais reduzidas cria em torno de Father John Misty, cenário este considerado como o mais propício às novas canções de God’s Favorite Customer.
Para terminar, recua-se atrás no tempo até o disco que o pôs na ribalta, o aclamado I Love You, Honeybear, com a faixa título e “The Ideal Husband” a darem como terminado um dos melhores concertos do primeiro dia do NOS Primavera Sound.
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Regressados ao Palco Super Bock, Ezra Furman já mostrava vestígios para justificar o porquê de se estar a tornar um dos nomes mais badalados de 2018, ou não fosse Transagelic Exodus um dos mais aplaudidos discos deste ano.
É difícil de acreditar que o americano já vá em sete (!) discos de carreira, mas nunca nenhum outro se tinha provado tão ambicioso e cativante como este último, algo que fica rapidamente demonstrado em palco, com os comportamentos teatrais de Ezra Furman a retratarem na perfeição a energia que o próprio investe nas suas canções.
De aparência extravagante, com eyeliners e gloss incluídos, Ezra Furman sabe bem o que é ser considerado um outsider, com canções como “I Wanna Destroy Myself”, “I Lost My Innocence” e “No Place” a provarem isso mesmo, o que só aí faz com que a barreira que separa o artista do público seja ténue, com canções de fácil teor de identificação. Despedindo-se com beijinhos e abraços dos seus novos amigos, certamente que Ezra Furman será um dos artistas que mais curiosidade despertou no público do NOS Primavera Sound, com pesquisas do mesmo a preverem-se como muitas nos dias seguintes.
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A grande estrela da noite foi, sem sombra de dúvidas, Ella Yelich O’Connor, mais conhecida por Lorde. Emotivo e intenso, o regresso da neozelandesa a território português foi saudado com muita euforia e emoção à mistura, o que leva a que o concerto da própria tenha o merecido destaque num artigo individual.
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Foi incrível. Foi destrutivo. Foi monstruoso. Após anos de espera, Tyler, The Creator estreou-se finalmente por palcos portugueses, naquele que foi facilmente o concerto mais estrondoso do dia e que deixou o público do NOS Primavera Sound num enorme estado de êxtase.
Vestido com um colete reflector e em cima de uma plataforma que ocupava um palco que só contava com a presença do rapper, Tyler, The Creator foi enorme do início ao fim, interpretando todos os seus temas com uma intensidade inigualável. Pondo à prova quantas palavras é que conseguem ser proferidas no espaço de um minuto, o artista norte-americano disparava rimas por todos os lados, com as linhas da frente do Palco Seat a ripostarem de imediato quando solicitados. Com “Ziploc”, “Deathcamp”, “Boredom” e a novíssima “OKRA” a serem servidas de rompante, é incrível a energia e entrega que Tyler deixa nas suas actuações, não perdendo o fôlego em qualquer momento, facto mais impressionante quando se tem em conta toda a correria e cantoria que se passa em palco.
Tendo na baila um hip-hop que acata palavras de fúria, angústia e indignação, alienado a uma sonoridade arrasadora, Tyler, The Creator é uma força da Natureza em andamento, contraindo maremotos em “Tamale”, sismos em “Who Dat Boy” e tempestades em “Glitter” – o ambiente era de catástrofe, mas como o povo português sempre se destacou pela sua garra e instinto de sobrevivência, claro que o público nunca fraquejou face a tantos abalos, ficando cada vez mais investido num concerto que tinha a proeza de seguir uma linha ascendente desde o seu início.
Apesar de ter conquistado o público logo nos primeiros instantes em que subiu a palco, Tyler, The Creator não tomou o público, que esteve sempre na sua mão, como garantido e congratulou-o no final através de “I Ain’t Got Time” e “See You Again”, com esta última a soar como a promessa de um regresso iminente a Portugal. A julgar pela noite de dia 7, sem dúvida que será bem-recebido…
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A chuva bem que ameaçou marcar o primeiro dia do NOS Primavera Sound, mas quis o destino que as nossas preces fossem ouvidas e São Pedro lá que mostrou misericórdia. Não querendo desperdiçar da oportunidade, o festival emergiria então num clima de dança e de festa pela bênção de a chuva não ter dado o ar de sua graça em qualquer concerto, com Jamie xx a ser o grande anfitrião para esta sessão de gratidão.
Sendo a grande inclusão no cartaz do Porto face ao festival de Primavera, o cabecilha dos The xx trouxe o seu disco a solo, In Colour, para estabelecer um palco de dança em frente ao Palco NOS, em que ninguém teve vergonha em se deixar levar pelas ondas electrónicas dançáveis de Jamie xx.
Desde “Gosh” a “Girl”, não esquecendo remisturas dos temas mais célebres da sua banda, com destaque para “On Hold”, Jamie xx fechou com chave de ouro o primeiro dia do NOS Primavera Sound, dia este que adoçou o apetite para a saborosa ementa musical que seria servida pelo Parque de Cidade nos dias seguintes, dos quais ASAP Rocky e Nick Cave & The Bad Seeds seriam os pratos principais.
Todos os artigos estão disponíveis em:
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NOS Primavera Sound 2018, Dia 7 – Num dia que ameaçou chuva, foi a música que rompeu pelas nuvens
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Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luís Sousa
Evento – NOS Primavera Sound’18