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As 5 Tragédias de Tio Rex, Entrevista a Miguel Reis

5 Tragedies é o novo trabalho de Miguel Reis ou Tio Rex. Saiu em Março deste ano e está a aquecer almas e aconchegar corações por Portugal inteiro.
A Música em DX decidiu ir ao encontro de Miguel e descobrir um pouco mais sobre a sua essência e deste EP.

Música em DX (MDX) – O que aconteceu nos últimos 3 anos?

Miguel – Bem, durante 1 ano e meio, depois do último disco sair, em 2015, foi a tour. O Harmonia foi o disco com que andei mais na estrada! No outro ano e meio o que aconteceu foi gravar o 5 Tragedies, que levou imenso tempo e, em simultâneo, criei uma alternativa de negócio em Setúbal que criei de raíz. Então, durante 1 ano estive a tratar disso ao mesmo tempo que fazia as gravações. Nós somos 10 músicos então tive de recolher cada um à vez: anda cá a por clarinete, anda cá a por violinos, etc… depois algumas pessoas estavam fora também… Foi um processo que levou mais ou menos 1 ano para fazer 5 canções, também fizemos tudo nas calmas, sem pressa.

MDX – Vês este EP como uma maturação tua a nível artístico?

Miguel – Acho que é inevitável, de disco para disco, haver uma maturação. Os discos acabam um pouco por espelhar o meu crescimento. Comecei a fazer isto com 21 anos e então eles vão crescendo um bocado comigo… os primeiros discos então, se fores ver lá para trás aquilo é tudo muito inocente… mesmo a maneira de cantar… eu não estava pronto para aquilo, nunca tinha tido uma experiência de banda antes de Tio Rex e, então, sinto que os discos vão maturando. Este, em si, se calhar foi o disco mais trabalhado, apesar de ser um disco pequenino, foi um ano a pensar nele, a ouvir com calma, os outros foram feitos no máximo em 2 meses.

MDX – É melhor, então?

Miguel – É diferente. Ao mesmo tempo o impulso de fazer algo quase sem pensar também te mete muita magia nos discos que o pensar demasiado às vezes corta. O impulso às vezes leva-te a seres mais ingénuo no bom sentido e não no sentido de não teres consciência do que estás a fazer. Ingénuo no sentido de soltar o mais verdadeiro possível por trás do sentimento da canção ou aquilo que se está a passar quando a canção está a nascer. Mas por outro lado eu acho que o aprimorar da arte, limar as arestas, fazer tudo direitinho, acaba por levar àquilo que se criou com este disco, sem dúvida alguma que gosto muito do resultado.

MDX – Voltaste ao inglês porquê?

Miguel – Acima de tudo porque já tinha canções para o fazer, não é que tenha sido 100% pensado. Posso dizer que em boa parte o facto de ter estado com o Nelson (We Bless This Mess) em 2016 em Londres e ter poucas canções que eu visse que funcionavam lá foi um mote para pensar em fazer um disco em inglês para que, onde quer que vá sozinho, as canções funcionem em mercados lá fora. Acho que isso ajudou muito, mas este disco em si surgiu porque as canções começaram a acumular-se e eu quando vi aquelas 2 ou 3 a ganharem a forma de contexto de tragédias e que tinham isso em comum, pensei em juntar mais umas poucas e fazer um “5 Monstros II”.

MDX – Já que falas nisso… 5 Monstros, 5 Tragédias, o que se passa com o 5 e com as palavras fortes?

Miguel – O número em si é o número ideal, pelo menos para mim, para um EP. Menos que isso acho que é pouco, mais já não é bem um EP. Quando o 5 Monstros surgiu foi o mesmo processo, quando vi que as canções eram pseudo monstros.. esse disco é o mais leve, mais dreammy, alguém o descreveu há uns tempos como “os monstros que estão de baixo da cama” e este (5 Tragedies) não tem nada a ver com isso, é muito mais pesado e quando vi que havia um paralelismo pensei porque não lançar também outro disco 5 qualquer coisa que o leve para outro universo (em inglês) e à pala disto até já estou a pensar noutro 5 qualquer coisa daqui para a frente. Não há-de ser nenhum dos próximos 3 discos, talvez, mas quero ir ao outro lado dos 5, já estive nos monstros e nas tragédias e agora quero virar um bocado a página e tornar as coisas um pouco mais leves, gostava de poder explorar não sempre o negrume e o negativismo. Quando estiver pronto, neste momento ainda não estou.

MDX – Mas ainda não me respondeste porquê tragédias.

Miguel – Acima de tudo porque eu acho, como tu descreveste muito bem, que a catarse é uma tragédia. No sentido em que eu acredito que nós quando temos uma certa concepção de nós próprios e sentimos que a nossa identidade é aquela e acontece uma catarse na nossa vida (e topamos qualquer coisa), há ali uma pseudo tragédia, morre um bocado da tua identidade e cria-se uma nova e então é dai que eu acho que partiu a ideia das tragédias. Todas elas me bateram com uma força brutal e eu senti que a tragédia não é má mas tem essa qualidade avassaladora com que te dá um murro e tu viras um bocado a boneca. Eu senti que era um espelho das 5 pancadas que estão aqui neste disco para mim e acho que para fora também, acho que é assim que elas funcionam, já para não falar que eu adoro filmes de terror e coisas um bocado malucas e acho que isso acaba por ter alguma influência, acho que o meu trabalho é um bocado, de uma maneira ou de outra, influenciado por isso.

MDX – Mas estas 5 tragédias são autobiográficas?

Miguel – Eu acho que sim partindo do pressuposto que foram 5 momentos que me bateram a dada altura. Quando escrevo canções tem de estar a acontecer qualquer coisa cá dentro. Não consigo sentar-me e pensar “hoje tenho de escrever uma canção sobre isto”, não consigo fazer esse exercício ainda, se calhar um dia vou conseguir ou não, mas tenho de estar mesmo quase que a passar mal, estar triste para criar e então sinto que elas tomaram essa força. Elas são autobiográficas no sentido em que eu passei pelos 5 momentos para as tirar cá para fora.

MDX – Na tua biografia pode ler-se “Rumou à Madeira para aí descobrir a solidão, regressando com o coração partido para gravar o monumental “Preaching to a Choir of Friends and Family”, em 2013. Sentes que os momentos menos bons, solitários e mais marcantes são aqueles que te fazem criar com mais beleza?

Miguel – Sim, acho que a minha verdade na arte é essa. Eu sou muito fã da humanidade em todo o tipo de criação, gosto de saber que foi feito por humanos e se calhar por isso é que também não sou assim tão fã de música electrónica. Gosto muito de sentir erros e sentimentos e sensações e acho que é essa a força da arte de uma maneira geral e então acho que a base da minha criação tem de vir sempre daí. Quando eu tento fazer o exercício de escrever uma canção só pela beleza das palavras ou pela poética ou pelo que quer que seja dou por mim a olhar para aquilo e a sentir que está muito batido, soa-me a vazio, a coisas fáceis, aquilo que eu não gosto na música e então não consigo ir por aí. Eu já sei mais ou menos os próximos 2, 3 discos que vou fazer e há um deles em que eu vou bater contra uma parede. São 10 temas, o disco já está todo composto, está todo feito na guitarra e aquilo está a soar bonito e eu estou bastante satisfeito, mas não tenho nem uma palavra …. eu nunca escrevo em casa, em casa tenho sempre tudo a tocar e distrações e coisas afins então quando sinto a coisa pego na guitarra e , como vivo numa vila, posso sair de casa e enfiar-me num banco de jardim onde não passa quase ninguém e eu fico até às 4 da manhã a digerir e a entregar-me um bocado a esse peso e, nesse sentido, esse vai ser o desafio desse disco. Quando a altura chegar ai é que vou ver como é que me safo no estado oposto porque eu quero que esse disco seja mais focado numa coisa que eu ainda não explorei tanto que é a parte da devoção e da entrega.

MDX – Pegando numa das tuas tragédias, pelo menos quando a escreveste, sentias-te perdido?

Miguel – Sinto que de uma maneira geral há pontos em que me encontro, principalmente em concertos em que as pessoas também sentem o que eu senti e quando a mensagem passa e a pessoa se desmancha, eu não me sinto sozinho. Eu acho que esse acaba por ser o grande fundamento para eu fazer música, quando vi que isso acontecia, descobri que não estava sozinho, mas ao mesmo tempo nos momentos de criação sou completamente solitário. Mas acho que, no fundo, estamos todos sozinhos. Perdido também, constantemente! Acho que me vou encontrando aqui e ali mas nunca estou  realmente encontrado em lado nenhum, acho que posso encontrar uma coisa hoje mas amanhã há outra que já me faz perder, acho que é muito do momento, passa tudo muito pelo momento!

MDX – E vais continuar a cantar em inglês?

Miguel – O próximo álbum sim. Vai ter para ai 9 ou 10 músicas e vai ser em inglês.

MDX – Relativamente ao artwork, tu tens sempre uma imagética interessante, personalizada e cuidada… A Ana ouve e faz ou tu dizes-lhe a ideia que tens?

Miguel – O conceito base é gerado por mim, porque sei o que é que está por trás de cada disco e como é que quero que as pessoas o percepcionem quando o têm na mão, isto porque acho que ainda há uma certa magia no objecto físico e já não estamos assim tão longe do Matrix e acho que ainda é bom termos coisas com cheiros, com toques e por ai a fora. Então o que acontece é que eu digo-lhe as ideias que tenho como, por exemplo, neste disse-lhe que queria que fosse uma espécie de livrinho que tu encontras numa cave com teias de aranha e marcas, por isso é que tem marcas de copos, salpicos de sangue e está um bocado gasto, e ela faz à maneira dela. A ideia foi ser um bocado uma coisa perdida no tempo até porque a tragédia remete um bocado para aí.

MDX – Queres comentar-me esta frase: “Though tragedy brought us together, creation is proof of our essence”?

Miguel – Este disco não tem agradecimentos, só tem créditos, é mais direccionado a quem o criou comigo do que propriamente a quem o consome, apesar de eu achar que quem o consome também está junto comigo e com quem criou o disco na tragédia porque está a consumi-la. No fundo é um bocado a minha nota de agradecimento a toda a equipa que esteve envolvida no disco em si porque fomos muitos a tocar e a produzir e a fazer isto acontecer.

MDX – Relativamente aos concertos, como está a ser o envolvimento das pessoas e a reacção ao disco?

Miguel – Eu não me posso queixar absolutamente nada porque, se calhar, de todos os discos, logo depois do disco sair, foi o disco em que em menos tempo toquei mais. Tenho estado a tocar com alguma fartura todos os fins-de-semana, no máximo com um de intervalo no meio. Em termos de aceitação e reacção das pessoas às canções, sinto que o inglês a muita gente cria quase que uma barreira, as pessoas não conseguem digerir da mesma maneira que uma canção que é interpretada em português, isto porque estamos em Portugal e é aqui que tenho estado a apresentar o disco. Mas, ao mesmo tempo, sinto um shift quando passo de disco para disco a meio do concerto. Quando estou a cantar uma canção do Harmonia, as pessoas estão espantadas e relaxadas, quando estou a cantar uma tragédia, as pessoas ficam tensas e isso é super interessante. Sempre foi o meu objectivo que cada disco fosse um capítulo e que sejam diferentes entre todos e sinto essa diferença ao vivo. Estava com um bocado de receio com este disco porque depois de um disco super delicado, muito mais alegre, acho que este poderia ter sido um choque para muita gente. O que é facto é que há malta que só descobriu o projecto com este disco e gosta muito mais deste disco, há pessoas que dizem que este disco é a consagração, mas não deixa de ser curiosa a reacção das diferentes pessoas aos diferentes discos e ao vivo tem corrido muito bem porque há sempre um bocadinho de tudo nos concertos, eu vou aos discos quase todos e consigo sentir o ambiente na sala a mudar, é super engraçado e às vezes até me dá um bocado de gozo quando as pessoas estão em cima e depois vão para baixo e tem sido incrível. A tour tem-me levado a todo o lado, tanto aos buracos como a auditórios e os dois extremos são bons de igual modo e tem sido muito enriquecedor.

MDX – O que vai acontecer no Sabotage?

Miguel – Aí vai ser mais roqueiro. Para já vou com a banda, só ainda toquei uma vez este disco com banda, vai tudo mais composto e tendo em conta o próprio espaço, o que vamos fazer é tentar levar este peso todo destas canções e oferece-lo às pessoas e tocar canções dos outros discos, claro. Espero que esteja composto e que a malta venha curtir as tragédias, no fundo, acho que é isso. Vai ser bom, estou, também, com muita vontade de ir para aquele palco em frente às pessoas e dar murros psicológicos com a intensidade das músicas e das tragédias.

Vemo-nos lá Miguel! Rendidos às tuas palavras e melancolia. Com peso ou sem peso, mas sempre com muita emoção!

O Tio Rex vai estar no próximo Sábado, dia 16 de Junho, a apresentar o 5 Tragedies, no Sabotage Rock’n’Roll Club. Pode saber mais aqui.

Entrevista – Eliana Berto