Seria a segunda noite de concerto e a primeira de trovoada. Pelas ruas, o cheiro a terra molhada misturava-se com um bafo quente e uma ânsia irrequieta.
Era dia 20 de Junho e os LCD Soundsystem preparavam-se para aquele que seria o segundo concerto de três dias intensos no Coliseu dos Recreios. Dizem que no meio é que está a virtude. Não consigo garantir que foi o que aconteceu aqui mas, seja como for, esta foi uma noite que dificilmente se irá apagar da memória.
Um set do DJ Shit Robot por baixo de uma bola de espelhos gigante antecedia o tão esperado momento da entrada dos LCD Soundsystem em palco que, com as luzes a postos e sem interrupção de música subiam ao palco. James Murphy foi o último a entrar e, com ele, uma aura brilhante de um génio que move multidões.
Tinha eu partilhado à tarde a “You Wanted a Hit”, comentando que sim, que todos queremos sempre um hit, quando sou surpreendida pela mesma, em segundo lugar no alinhamento e a anteceder “Tribulations” que, rapidamente, levou os 10% que se mantiam inertes a abanar a anca. No fundo, se fechássemos os olhos, podíamos sentir que estávamos numa discoteca gigante ou, até, no Incógnito, onde dançaríamos sem parar durante 2 horas e pouco.
A magia destes senhores é trazerem a pista de dança ao palco, num momento único que revela uma música electrónica com um fundo rock onde encontramos sintetizadores, guitarras, baixo, bateria, tambores, teclas e uma voz no tom certo. O reflexo da bola de espelhos entra em cada um de nós e despe-nos por completo de qualquer peso ou prisão. Durante este momento, que passou rápido demais, fomos todos amigos e um só!
O toque subtil das teclas guia-nos a um sonho primaveril com cheiro a verão e a terra molhada (que vinha, por vezes, de fora). Há uma série de explosões de intensidade em cada música, guiando-nos por uma avalanche de sensações durante uma viagem numa montanha russa. A esquizofrenia dos sons robóticos mistura-se com o rasgo da guitarra, desnorteando-nos no caminho.
“I Can Change” era o hit que se seguia e nos embalava num calor quase uterino de boas energias. Entre músicas, James, revela em tom de brincadeira, que está a usar as mesmas calças do dia anterior e que já está completamente ensopado em suor.. Não imaginando ele, a roupa colada ao corpo que já existia na plateia. “Call The Police”, “Daft Punk Is Playing At My House” continuavam a magia. Num registo mais rock, “Movement” e “Yeah” logo de seguida com um coro de almas a cantar em uníssono. “Someone Great” veio tocar nos corações ao mesmo tempo que os enchia de sensualidade. Antes de “New York, I Love You But You’re Bringing Me Down” James explica que está a chegar a parte em que eles saem para depois voltarem para um encore, descrevendo o momento como o destino mas menos romântico. No entanto, antes disso acontecer, ofereceu-nos um abraço de intimismo puro onde a melancolia se elevou e o coração acalmou, saindo do palco ainda com a música a tocar para ir dar um beijo ao seu filho que estava por detrás do palco ao colo da mãe.
O encore não demorou a vir e trouxe com ele mais quatro faixas terminando com o momento único, arrepiante e memorável de “All My Friends”, onde todos demos os braços no inconsciente e partilhámos amizade!
De American Dream, o álbum lançado em Setembro do ano passado, ouvimos “Oh Baby”, “Tonite”, “Call The Police”, “How Do You Sleep” e “Emocional Haircut”, mostrando que ao vivo funciona ainda melhor que em estúdio.
Dizem que não há nada como o primeiro amor… Eu não sou de ditados populares, mas a verdade é que, não ultrapassando a grandiosidade do concerto de Paredes de Coura, em 2016, esta noite foi grande de igual modo! Deixando sempre o formigueiro doloroso da ânsia de uma nova visita.
Texto – Eliana Berto
Fotografia – Jorge Buco