20180809 - Entrevista - Rubel @ Cais do Sodré
Backstage

Rubel, Quando bate aquela entrevista

Sensivelmente antes das 19h, véspera do primeiro concerto em Lisboa. Encontramo-nos à porta do Musicbox, onde vai atuar durante dois dias perante uma plateia esgotada. Estamos a falar de Rubel. Nada abatido com o jet lag, da viagem que fez recentemente aos Estados Unidos, onde atuou em Nova Iorque, tivemos a conversar sobre o passado, o presente e o futuro do carioca e da música brasileira no geral.

Música em DX – Há uma frase do “Partilhar” que me ficou na cabeça. “Eu só tenho 80 anos pela frente, por favor, dá-me mais uma chance para viver”. O que é que gostavas de viver nos próximos anos?

Rubel – Nos próximos 80 anos?

MDX – Não necessariamente.

Rubel – O meu plano é fazer muitos discos. Espero chegar aos meus 90, 100 anos tendo 40 discos na minha bolsa. Tendo feito filmes e tendo amado os meus amigos.

MDX – Tu escreves roteiros, não é? Como é que concilias as duas coisas?

Rubel – Eu tento conciliar… Por exemplo, no período da tournée, eu me dedico integralmente à música. E quando termino a tournée, e estou no processo de criar o próximo disco, tenho mais tempo para escrever roteiros e mais tempo de fazer séries. A ideia é essa. Este ano é para me dedicar exclusivamente ao disco e à tournée do disco. E no próximo ano ficar um pouco mais tranquilo para poder escrever roteiros. Mas a minha vida nos próximos 80 anos seria bem um balanço entre a música e o cinema e os amigos.

20180809 - Entrevista - Rubel @ Cais do Sodré

MDX – E pensando em 80 anos, pensamos na morte. Tu costumas pensar muito nela?

Rubel – Na morte? Sim. Não tenho medo, não. Mas, acho que a morte dá graça à vida. Ela obriga a viver intensamente cada dia. Se não tivesse a morte, a vida não teria um grande desafio. Não teria um porquê de realizar as coisas. Eu gosto da morte.

MDX – No Pearl, tu falas muito da saudade, neste Casas falas das incertezas de entrar na vida adulta. Tu encontraste no álbum as respostas para essas incertezas?

Rubel – Eu acho que sim. Eu acho que encontrei durante o processo do disco que levou dois anos e meio para ser feito. Quando eu comecei, o disco foi um momento que estava saindo da faculdade, entrando na vida adulta. Tentando me reconciliar com a viagem que culminou no Pearl e a saudade daquele tempo em que tudo era mais pretensioso, mais leve, mais fácil. Eu ainda era sustentado pelos meus pais, eu era ainda protegido pela instituição da faculdade. Então, eu comecei o Casas nesse momento em que estava procurando casa no Rio de Janeiro. E buscando a minha casa metaforicamente. Quem sou eu? Eu acho no momento do Pearl eu tinha descoberto a minha identidade muito clara para mim mesmo. E ela tava muito associada àquela viagem, aquele momento de vida. Ao momento dos 21 anos. Mas as respostas que encontrei ali, não se aplicavam aos meus 26 anos. Ao novo momento de vida que tinha de começar a viver independentemente. O Casas respondeu a muitas das perguntas. Especialmente à “qual é a minha casa”. E a minha resposta principal é que não tem uma casa. Não tem uma casa definitiva. Tem muitas. Na minha infância eu morei em vários lugares. Tive várias casas. Na minha adolescência foram outras. A casa do Pearl foi uma dessas casas. E todas elas me formaram. Não existe uma casa ideal onde eu fico exclusivamente.

MDX – Não é um espaço físico, mas sim com quem tu estás. Excelente. Respondeste à pergunta que tinha a seguir para ti. 

Rubel – [risos] São as pessoas.

MDX – Indo para o Pearl. O primeiro tema é o “Velho e o Mar”. És fã do Hemingway?

Rubel  – Muito. Muito.

MDX – E o que é que gostas mais de ler?

Rubel – Ainda hoje ouvi uma frase muito bonita do Hemingway. Que curioso. Eu admiro muito Saramago. Eu gosto muito de Manoel de Barros, que é um escritor brasileiro. Poeta maravilhoso. Gosto muito do Carlos Drummond de Andrade. Rubem Fonseca. Nelson Rodrigues. Gosto muito do Fitzgerald. Do escritor dos 100 anos de solidão.

MDX – O Garcia Marquez.

Rubel – O Garcia Marquez. Maravilhoso. Acho que são esses a base que me formou.

MDX – E que te deu a bagagem para o Pearl. 

Rubel – Sim, sem dúvida.

MDX – Uma coisa que é indissociável desse álbum é o “Quando bate aquela saudade”. Já tens alguma história de algum casal que chegou ao teu pé e que tem algo relacionado com a tua música?

Rubel – Muitas. Muitas. É muito doido, isso. É como as pessoas pegassem a música para elas, para a vida delas. Dizem que quanto mais específico e pessoal você é, mais universal você consegue ser. Eu acho que isso aconteceu com essa música. Falei de algo tão particular, tão verdadeira, que se acabou por tornar universal para muita gente que não viveu necessariamente essa história que eu vivi. Mas que tem uma outra história de amor e que se aplica. Muita gente se casa com essa música! [risos] Isso é curioso. Recebo vários vídeos de casamento com essa música. E o que é curioso é que quando tem videos de casamento, as pessoas cortam uma estrofe específica [risos]. “Eu sei que vai dar errado, a gente fica longe e volta a namorar depois”. [risos] As pessoas não querem que dê errado, de forma alguma!

MDX – E continuas a sentir a mesma coisa, passados estes quatro, cinco anos de letra? E sentes a mesma vontade de tocar ao vivo essa música?

Rubel – Isso sim! A música ainda é muito fresca para mim. Toda a vez que eu a toca, eu redescubro-a de alguma forma. Senão eu estaria fazendo pão! [risos]

MDX – Podia acontecer como tantas outras bandas, como Radiohead, por exemplo, naqueles tempos do Creep.

Rubel – É, mas nunca tive um tipo de rejeição. Pelo contrário. Eu continuo gostando muito e vou vivendo coisas e a música vai ganhando novos significados à medida que vou vivendo ela.

MDX – Saltei uma pergunta sobre o Casas. Já te devem ter perguntado isto imensas vezes, porque tens o Rincon Sapiência e o Emicida no disco. Porquê eles? Porquê artistas de hip hop, num registo diferente do álbum? E houve alguém que tivesses curiosidade em colaborar mas não houve oportunidade?

Rubel – Só sobre a última pergunta, que fiquei pensando. Eu sempre vejo Roberto Carlos cantando. Ele lá no Brasil tem o especial de fim de ano, que é um clássico. E ele sempre faz o mesmo show, ele canta as mesmas músicas há quarenta anos. É um momento de natal. E ele canta como se fosse a primeira vez. E isso me inspira. Eu quero cantar dessa forma!

MDX – Ele também não tem um cruzeiro? 

Rubel – Ele tem um cruzeiro, sim!

MDX – Não pensaste em fazer um cruzeiro também?

Rubel – [risos] Não. Se eu poder cantar como se fosse a primeira vez, tá bom. Mas sobre o Rincon e o Emicida. Para mim, eles são junto do Criôlo, os maiores MCs/Rappers/Compositores/Letristas atuais. Na verdade, não só do rap mas da música brasileira. Eu acho que são as pessoas que escrevem as letras mais bonitas, mais elaboradas. E eu sou muito fã deles. Era um sonho que tinha desde do início do disco. Na época eu já ouvia muito hip hop e queria fazer uma ponte com esse universo. E ninguém melhor do que o próprio Emicida e o Rincon Sapiência. Foi uma relação de fã. Eu fui atrás dos meus ídolos e eles abriram as portas e foram muito receptivos. Agora quem eu gostaria de fazer que eu não fiz, é o Criôlo. Que eu até cheguei a convidar. Mas não estava pronto nesse momento para fazer essa parceria. Mas eu acho que vai rolar. Talvez no próximo.

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MDX – Vindo aqui para Portugal. É a tua primeira vez cá. Tu anunciaste uma data aqui em Lisboa e esgotou logo, tanto que anunciaste uma segunda data. Qual foi tua reação?

Rubel – [risos] Argh! Foi muito surpreendente. Muito mesmo. Porque não tinha a menor ideia do quanto seria. Nunca tinha tocado fora do Brasil. Então não esperava.

Thiago Piccoli [manager do Rubel] – Foi muito chocante.

MDX – Não sei se vocês já viram a sala [Musicbox]? 

Rubel – Eu ainda não vi.

Thiago – Eu vi, muito legal. E aí deu duas semanas, o Pedro mandou mensagem: “Olha, tá indo rápido. O que é que fazemos?” E aí, sem acreditar marcamos segunda data.

Rubel – É, acabamos de passar à porta do Musicbox e estavam lá dois esgotados! É surreal. A segunda esgotou rápido. E ainda tínhamos a possibilidade de anunciar uma terceira data. Mas seria precipitado para esse momento. Vamos só manter duas. Quem sabe daqui a um ano e vem com a banda. Eu acho que é maravilhoso. Portugal é um país em que de facto existe a possibilidade de construir uma carreira. Porque o público fala português, e o público é muito aberto a música brasileira. Isso é maravilhoso. Noutros países temos a barreira da lingua. Nos Estados Unidos, é muito difícil para consumirem música brasileira. Então aqui vejo uma porta escancarada.

MDX – Uma vez, longe daqui no estrangeiro, conheci um canadiano que estava fascinado com Boogarins, por exemplo. Do nada, aleatório.

Rubel – Que loucura.

Thiago – Mas eles também estão a crescer fora do Brasil. Desculpem também me intrometer, mas também tem uma diferença. Tem uma diferença no som do Rubel. Que é um som de canção. De poesia. De composição. Boogarins é um som de show, que atinge muitos mais países. O que é uma dificuldade para o Rubel nesse momento. É transmitir a poesia, que aqui em Portugal, além de ter a facilidade da língua, aqui as pessoas lêem mais. E as pessoas estão mais dispostas a ler a letra e entender o sentimento.

Rubel – Totalmente.

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MDX – Também sempre tivemos uma grande receptividade da cultura brasileira. O Chico Buarque teve cá no início de Julho e esgotou 6 datas. Cícero também esteve cá. Caetano Veloso com os filhos.

Thiago – Nós, nos Estados Unidos, vemos o público recebendo a música brasileira, só que música exótica, para dançar. Aquela mistura com funk. É isso que o norte americano quer ver do Brasil. E aqui recebem muita pureza de África, direto. E acaba dando mais espaço para a música de canção.

Rubel – É. A música de canção tem essa natureza que é maravilhosa, mas é limitante. Ela está muito focada na letra.

Thiago – Mas ao mesmo tempo é positivo. Se tu avanças com a tua poesia, é porque ela boa.

Rubel – Isso é curioso nos jornalistas portugueses. Eu vi muito essa diferença de valorizar muito a própria poesia, a letra dos discos. Aqui em Portugal, talvez por essa relação com a palavra. Mais desenvolvida. Achei muito bonito. De uma valorização muito grande das letras. Até você mesmo! Do jornalista que pega um trecho de uma letra para comentar. É bacano isso.

MDX – E acerca do público. Não sei se reparaste, mas terás um forte público brasileiro presente, pelo menos do que vi no evento no Facebook. E está a haver uma forte comunidade brasileira cá em Lisboa. Como é que tu vês esta vaga de emigração, associada a esta crise política e social que está a acontecer agora no Brasil?

Rubel – Eu conheço muita gente que está a se mudar para Portugal. Que planeia mudar para Portugal, por causa disso. Porque realmente vive uma crise que é inegável. Está muito difícil conseguir emprego no Brasil. Está muito difícil conseguir emprego mesmo para quem trabalha com artes. Está muito difícil ganhar dinheiro com artes lá. Eu acho que, pelas pessoas que conheço que se estão a mudar para cá, Portugal está a ser muito mais receptivo. E tem uma abertura de prosperidade muito maior do que no Brasil.

MDX – Tu já viveste fora. Consideras em emigrar outra vez? Ou preferes consolidar a tua carreira no Brasil?

Rubel – Acho que este é o momento de estar lá, de compor mais discos. De dar continuidade à música brasileira. Eu acho que é muito importante eu neste momento fazer o meu papel pelo Brasil, no Brasil. Sinto cada vez mais isso. Eu viajo por lá e a maior contribuição é pela música brasileira e pelo Brasil. Mas mais para frente, quem sabe?

MDX – E falando do papel dos artistas. Que outros artistas brasileiros gostavas que o público português conhecesse?

Rubel – Tem uma banda chamada Tuyo, que eu acho não é assim tão conhecida por cá e que é maravilhosa. O próprio Rincon Sapiência. Não sei como é que é a entrada dele cá.

MDX – Ele teve cá há cerca de um mês. Houve um festival de hip hop e convidaram artistas brasileiros e portugueses para fazer uma espécie de battle, e ele era um deles. E ele ainda ficou cá alguns dias, acho que a gravar algumas coisas. 

Rubel – Ah, eu vi isso! Ele é muito talentoso. Tem outro rapper chamado Djonga, que é muito bom. Tem nomes que já têm uma entrada muito boa. O próprio Cícero, o Castello Branco, o Bernardes. Eu gosto muito dos Os Dentes, que é do Rio. Duda Beat, que é uma cantora nova, que está surgindo. Que é maravilhosa. O Criôlo e o Emicida também já têm uma entrada. Dos que não têm uma entrada diria que Tuyo e o Rincon.

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MDX – Outra pergunta, que já li numa entrevista, é que gostavas de cantar com Caetano Veloso, Bon Iver, Kanye West… A minha pergunta é ao contrário. Com quem é que gostavas de cantar mas que já morreu?

Rubel – [risos] Dorival Caymmi, sem dúvida. Para mim é o maior cancioneiro. O maior compositor. Uma pessoa que entendeu a alma do Brasil de uma forma muito profunda. E muito leve e divertida. É um filósofo, para além de compositor. E com quem tenho uma relação irracional. Espiritual talvez. Um mestre. Um mentor.

Entrevista – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Luis Sousa