Terça-feira, 25 de Setembro. Noite de concerto dos Beach House em Lisboa, uma noite quente de Verão já fora da época a rivalizar com as mais quentes que a defunta estação este ano nos ofereceu.
Chegado eu ao Coliseu, é um ambiente calmo o que se vive sem grandes euforias e é nesta onda de calor que o movimento se faz de forma descontraída e em que calmamente as pessoas vão entrando na sala, sem pressas, e talvez já preparadas e a antecipar a elevada temperatura que se iria fazer sentir lá dentro.
No menu musical temos na primeira parte Sound Of Ceres, projecto onde militam membros de bandas como Candy Claws ou Aples in Stereo, portanto, gente que anda por aí a espalhar charme dream pop. Foram anunciados como uma experiência visual invulgar e ao que parece, são os próprios membros do colectivo que em palco assumem o controlo do show de luzes.
Tenho de reconhecer que depois de ouvir algumas coisas em estúdio, não fiquei muito impressionado. Para além da voz bonita e perfeitamente afinada da vocalista Karen Hover, nada de especial a assinalar nesta primeira parte, de salientar no entanto que foram tão bonitos e perfeitos que ao final da primeira música cheguei a pensar se não estaria eu a ouvir uma intro pré-gravada. Instalou-se em mim um bocejo tão grande que temi que perdurasse o resto da noite e o calor na sala não ajudou. Confesso que tenho que lhes dar um desconto. Não sou conhecedor das canções do grupo, fora um ou dois temas escutados de antemão, o “Humaniora” por exemplo, single do mais recente e segundo disco The Twin (2017) que foi tocado tal como os outros três ou quatro temas de maneira mecânica e perfeita, tudo com um show de luzes pseudo-psicadélico, e esbatida a visibilidade dos músicos em palco, pareceu-me que eram quatro a tocar, segundo as minhas contas mas posso estar enganado. Tive mesmo que ir para a fila da frente para verificar se era um baixo ou se era uma guitarra de seis cordas que estava a ser tocada em regime live por um dos músicos. Não que alguém se interesse por isso, são apenas pormenores de um geek confesso como eu. A voz, essa, era bonita e bem processada com todo um manual de efeitos com longas reverberações e delays, mas ainda assim não bastou para levar a plateia ao rubro.
Em resumo, uma primeira parte que não entusiasmou, também não ajudou o facto de só para o final da actuação destes Sound Of Ceres, o Coliseu apresentar já uma moldura humana diferente e bem maior.
Com os Beach House estimados para começarem pelas 23h, para quem vos escreve, foi tempo de tomar um pouco de ar fresco. Pessoalmente não tinha ainda visto ao vivo este duo com as suas belas canções melodiosas e ambientais perfeitamente registadas em disco, e com excepção dessas belas canções entusiasmantes e dos clássicos instantâneos registados em estúdio como “Myth” ou “Space Song”, a minha relação com os Beach House é de ouvinte interessado mas de frequência esporádica. No entanto, e a julgar pelo culto assinalável que a banda de Baltimore tem no nosso país, algo reforçado mais tarde em palco pela própria Victoria Legrand, que confessou que ‘foi em Portugal que pela primeira vez se sentiram amados na Europa’ e pois então, que raios, mantive a minha esperança de assistir a um concerto empolgante. E graças a Deus que foi o que veio a acontecer e tal como o resto da audiência, empolguei-me: com o som, com as luzes, com o alinhamento, com a música fantástica que este duo ali transformado em trio com a inclusão de um baterista em regime live nos serviu nessa noite.
Mal o concerto dos Beach House se iniciou, o público foi tomado de vez por uma intensidade sonora avassaladora, teclados, bateria e guitarras e uma voz que ecoava pelas paredes do Coliseu com a pujança necessária e causar os devidos arrepios na espinha. A mim, pessoalmente, foi ao terceiro tema que me conquistaram em definitivo: as guitarras de Alex Scally tocaram fundo e magistralmente o muito bonito “PPP” e naquela parte final onde o tema atinge o seu auge, a guitarra, a envolver-nos com laivos de magia. Enfim, perfeito, tirando apenas o facto do calor abrasador que se fazia sentir na sala, numa espécie de sauna frequentada por milhares de amantes fiéis à música.
Antes, tínhamos ouvido “Levitation” e “Walk in the Park”, e já se adivinhava um concerto mais ou menos extenso e coerente que continuou com “Dark Spring”, a velhinha “Lazuli” e algumas mais até chegarmos a outro dos momentos altos: o sublime “Space Song” e de seguida, ”Drunk in LA” e “10 Mile Stereo”.
Com três canções dessa qualidade e tocadas de seguida, não é difícil conquistar qualquer plateia. Foram quatro ou cinco mais até ao final (antes do encore obrigatório) das quais posso destacar “Beyond Love” com um som a roçar as alturas do limite aceitável, e que precisamente foi o que faltou na apresentação anterior da banda de primeira parte. Um som desafiador, porque o shoegaze e a dream pop se querem assim, com um som a chegar às alturas e a penetrar no nosso âmago e nas nossas vísceras, a tocar os nossos corações para que o nosso pensamento possa viajar por sonhos celestiais que contemplem o infinito. Pondo de lado estas divagações mais líricas e regressando à terra, tivemos uma Victoria Legrand ‘mais comunicativa’ do que o habitual por detrás dos seus teclados, segundo comentários dos amantes repetentes nestas andanças em concertos dos Beach House. O baterista que os acompanha segurou bem todas as canções, sendo comedido ou mais explosivo conforme o momento sonoro o exigia. As guitarras de Alex Scally foram tocadas na perfeição, chegando inclusivamente a passear-se pelo fretboard de uma guitarra baixo num dos temas. Chegámos então ao dito encore onde tivemos direito a ouvir “Myth”, e mais uma canção, e confesso ter já o meu nível de atenção mais reduzido pois o calor que se fazia sentir na sala, uma sauna shoegaze como chamei a esta ocasião, já era insuportável. Foi uma noite de Verão no princípio de um Outono, foi a viagem da música que nos levou até ao mundo dos sonhos e com a vista virada não para os pés, mas para um palco que nos lançou para a cor e para a magia dos Beach House. Venham mais concertos assim.
Promotor – Ritmos Lda.