20181004 - Entrevista - Nuno Calado - Indiegente Live @ Antena 3
Backstage

Nuno Calado, O lustre do rock

O Indiegente começou há 21 anos e acompanha-nos, neste momento, de segunda a quinta das 23h às 24h na Rádio Antena 3. Com ele, conhecemos bandas, ouvimos histórias, descobrimos mundos novos e, ainda, são promovidas bandas que têm mais dificuldade em emergir. Por detrás do Indiegente, a pessoa que dá voz ao programa, Nuno Calado. Radialista de profissão e, principalmente, um grande amante de música. Na verdade, o seu segredo reside nesse ponto fundamental, a forma apaixonada e apaixonante como fala de música e o espaço que tem na sua vida para ela.

A propósito da comemoração do 20º Aniversário do Programa, Nuno Calado criou uma noite de música ao vivo onde vai celebrar esta união que vem da música e o amor a ela. Foi a propósito deste acontecimento que o Música em DX foi ter com ele ao sítio onde acontece o Indiegente para saber mais um pouco sobre este amor, a música e a festa de aniversário.

20181004 - Entrevista - Nuno Calado - Indiegente Live @ Antena 3

Música em DX (MDX) – No site da Antena 3, na descrição do Indiegente, podemos ler “Nuno Calado apresenta o som mais alternativo e actual da rádio”. De onde vem o teu gosto pela música e, principalmente, pela música alternativa?

Nuno Calado (NC) – O meu gosto pela música não sei bem como é que nasceu, mas nasceu! Acho que fui descobrindo ao longo do tempo. Os meus pais não tinham propriamente uma colecção de discos grande, mas o meu pai ouvia muito rádio, andava muito de carro de um lado para o outro e mesmo em casa a grande companhia dele era o rádio e acho que foi por aí que comecei a ouvir música e depois tenho algumas pessoas na minha família que são músicos, todos ligados à música erudita e pode haver alguma coisa que tenha sobrado daí para mim. Depois foi o normal, começar a ouvir bandas que me começaram a dizer mais do que aquelas coisas que passavam só na rádio. Depois foi um fio que fui sempre puxando e tinha a noção clara, na escola, que era um daqueles adolescentes que estavam mais ligados à música do que a maioria dos outros. Andava sempre com discos de baixo do braço, trocava, guardava dinheiro para comprar discos em vez de lanchar. Foi uma parte muito importante da minha vida, passava dias inteiros e semanas a ouvir o mesmo lado do mesmo disco e às vezes tenho alguma saudade de não poder continuar a ouvir música dessa forma. As coisas hoje estão muito mais rápidas, há muito mais música para ouvir e não te dá esse tempo de ouvires um disco dez vezes, o que é uma pena.
Em relação à música alternativa, eu sempre gostei um bocado de tudo, gostava dos AC/DC quando era miúdo, dos U2, dos The Cure, Motorhead, Toy Dolls, do David Bowie e do Hendrix, na altura quando és miúdo tudo o que vem tu agarras e gostas de tudo e mais tarde é que começas a perceber o que te interessa mais, mas sempre gostei de coisas diferentes. Acho que decidi mais o que queria fazer em rádio, a área a que me queria dedicar mais já em 92, talvez, que é quando sai o álbum dos Dinosaur Jr “Where You Been” que é o disco que me faz saber qual é o caminho que quero seguir em termos de divulgação de música. A entrada para a Antena 1 em 91 também foi muito importante para decidir o que mais tarde foi o meu caminho, apanhei com algumas pessoas que estavam profundamente mergulhadas dentro de um lado mais alternativo: Nuno Galopim, Sílvia Alves, Ricardo Saló, pessoas que foram importantes para eu começar a dar mais crédito a várias coisas. Por exemplo, eu achava piada aos Depeche Mode mas como não era uma banda só de guitarras eu achava que aquilo era para meninas, os homens tinham de gostar só de música com guitarras! Então guardava em segredo esse gosto e ao chegar ali percebi que não havia mal algum em gostar de coisas com alguma electrónica. Recordo-me que o Nuno às vezes esticava o pano de uma maneira que as 10 da manhã ele abria a emissão com os The KLF, e aí percebi que havia muita coisa electrónica e muita coisa boa que não eram pop. Foi um abre olhos muito importante.

MDX – E como vieste parar à rádio?

NC – Em Abril de 91 entrei para a Antena 1 e depois foi um seguimento. Existe a privatização da Rádio Comercial em 93 no início do verão e dessa privatização sobram 2 ou 3 frequências e é aí que começa a funcionar uma rádio que na altura se chamava RDP FM que era um projecto do Jaime Fernandes que já tinha criado várias rádios neste país entre as quais o Canal Jovem da Rádio Renascença que era a RFM e ele achava que na RDP havia essa falha, não havia um canal jovem, e então ele quis fazer um canal jovem com pessoal mais novo que já estava na Antena 1, pessoal que chegou de fora e algumas pessoas que tinham vindo da Rádio Comercial. Paralelamente a isto, o António Sérgio era uma das pessoas que ia trabalhar na RDP FM, mas depois acabou por ir para a XIS FM fm que tinha acabado de abrir e não chegámos a trabalhar juntos e curiosamente no final do verão dá-se a cisão na Rádio Energia e o Jaime contratou uma séria de pessoas e em Abril seguinte abre a Antena 3, portanto eu já cá estava.

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MDX – Agora existe mais variedade e mais espaço para a música alternativa até porque está na moda, no fundo, mas antigamente não. Foi difícil para ti alimentar o programa no início?

NC – Nunca foi difícil alimentar o programa, acho que sempre houve gente disposta a ouvir. Hoje as pessoas ouvem rádio de uma forma diferente daquela que ouviam, até pode haver muita gente que já não ouve em directo e ouve o podcast. Muitas das bandas que eu passava no programa passaram a estar presentes na playlist da Antena 3 e isso quer dizer que nos primeiros dias depois da mudança em que me sentei para fazer o programa, aquilo que eu senti foi que estava a fazer um best off da playlist e para ser um best off da playlist não tem razão de existência então tive de dar um passo ao lado, isto é um lado. O outro lado é a forma como as pessoas começaram a ouvir música, porque há 15 anos atrás ou 10 era fácil tu controlares quase os lançamentos que saiam, chegavam a mim primeiro, as editoras faziam chegar os discos, eu também comprava muita música e era fácil descobrires e seres o primeiro que tinha o disco e que ia mostrar o disco. Hoje em dia não podes ter essa intenção de ser o primeiro a passar nem ser o tipo que conhece mais coisas. Há com certeza muitas pessoas que têm empregos, filhos e não podem passar dias inteiros na net a procura de bandas, até porque hoje em dia aparecem todos os dias bandas novas, e então se dantes a minha reacção era mostrar em primeira mão, hoje é fazer só de filtro baseado no meu gosto e as pessoas que ouvem por confiar no gosto.

MDX – Enquanto ouvinte e mostrador de música, o que é que achas deste movimento musical em Portugal e respectiva indústria?

NC – Está diferente em todos os aspectos. Na verdade, sempre existiram muitas bandas, faltava era a iniciativa. Em 91 Lisboa era a capital europeia da cultura e o único palco dedicado ao rock’n’roll era o palco do Johnny Guitar e isto dá uma ideia do que era Lisboa no início dos anos 90, Lisboa e o resto do país. Havia falta de outros espaços, só havia uma sala! Hoje Lisboa tem N espaços, existem N concertos por semana, as bandas estrangeiras vinha uma de vez em quando, agora tens todos os fins-de-semana, em vários sítios e de estilos diferentes ou do mesmo estilo. Portanto esse lado da música ao vivo cresceu exponencialmente e as bandas também cresceram exponencialmente ou pelo menos damos mais por elas. Outro fenómeno muito importante é o desagregar das editoras multinacionais. Houve muita gente que trabalhava lá e saiu e de repente começaram a trabalhar por si próprias. Antes ou estavas nas editoras ou então eras um tipo sozinho e tentavas esgravatar. De repente tens pessoas que têm o know how e que estão disponíveis para trabalhar para ti e se calhar podes juntar os elementos todos da banda e consegues pagar a alguém para fazer PR. para além disso podes colocar as tuas músicas nas plataformas digitais e não precisas de uma editora para o fazer. As bandas começaram a aperceber-se que o merchandising era super importante para ganhar dinheiro e também começam a fazer e a vender e a auto financiar-se de alguma maneira. A qualidade dos músicos também aumentou, não são só melhores instrumentistas como também tiveram acesso a melhor material. Podes mandar vir facilmente tudo da internet, ao contrário de antigamente, tens tutoriais no youtube a explicar como fazes as coisas, só precisas de desenvolver a criatividade. Também tens melhores técnicos e recursos. Agora já não ouço dizer “isto para português não está mau” e isso irritava-me muito, a música devia passar na rádio toda da mesma maneira e hoje já não tens tanto isso. Para além disso, de repente não precisas de ter uma editora, só precisas de ter em 2 vertentes: teres dinheiro para promover o teu trabalho e, mais importante, teres editoras específicas que vão lá fora abrir portas e travar conhecimentos e até abrir portas com algumas bandas e depois aproveitar essa porta e tenta puxar os outros artistas por essa porta e isso era uma coisa que não acontecia no passado mesmo com as multinacionais. Era muito difícil fazerem coisas lá fora mesmo que cá dentro vendessem muito.

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MDX – Há 21 anos pensavas que ias fazer uma festa de aniversário do Indiegente?

NC – Não! Pensava que ia fazer uma festa de uma semana (risos). Eu sou meio estranho e digo isto porque não costumo ter muitos planos de futuro, sei que há coisas que quero fazer na minha vida e vou sempre tentando fazer essas coisas. O que aconteceu foi que um dos meus objectivos era manter o programa no ar e foi isso que aconteceu. Em relação ao Indiegente tinha um sonho de poder ser o que eu iria fazer o resto da minha vida mas rapidamente perdi essa ilusão, nem sempre o caminho foi fácil.

MDX – Tens alguma história que te tenha marcado mais ao longo destes anos?

NC – Tenho várias histórias, mas quando me sinto mais realizado ou satisfeito na perspectiva que “valeu a pena” é quando alguém se chega ao pé de mim e diz “ensinaste-me a ouvir música”, por um lado sinto que já estou a chegar à fase final da minha vida, mas por outro lado fico muito satisfeito porque era exactamente isso que eu pretendia, não no aspecto professoral, mas sim de crescimento. Aquilo que me tocou mais até hoje foi um miúdo há uns anos, um ouvinte que devia ter uns 14 anos e me mandava emails. Gostava muito do programa, tinha umas opiniões muito vigorosas sobre a música e um dia apareceu-me na rádio para me conhecer e para me levar uma prenda, era uma garrafa de whisky numa caixa de metal e nessa caixa em vez de ter o logo da bebida ele tinha feito um desenho por cima do Mark Lanegan. Vinha com a mãe e depois de estarmos um pouco à conversa fomos beber um café num café ali ao lado da rádio e continuamos lá a falar. Às tantas ele levantou-se para ir ao balcão e a mãe dele disse-me “queria pedir-lhe um grande favor, eu tenho cancro e isto não está a correr bem e eu queria que de alguma forma olhasse pelo meu filho”. Caiu-me tudo ao chão, foi um momento bastante forte e o que é certo é que a senhora algum tempo depois faleceu e eu hoje felizmente ainda encontro o filho dela em concertos e continuamos a manter uma boa relação. Ele cresceu, tirou o seu curso, anda por aí… Tomei conta dele ao continuar a fazer o programa e a fazê-lo ouvir umas coisas que eu achava que eram boas. Fiquei sempre com um carinho muito grande por ele e é talvez aquele episódio que mais me marcou.

MDX – Relativamente ao próximo dia 13, como é que chegaste à conclusão que querias fazer um concerto gigante?

NC – Inicialmente a ideia era fazer um festival, há uns 2 anos atrás, depois comecei a por este conceito mais de pé porque achei que pudesse ser mais interessante que fazer um festival. Pensei em fazer de várias formas, ter uma backing band fixa e o pessoal ia rodando, mas eu não queria pesar em ninguém porque também não tinha dinheiro para pagar a alguém que fosse ensaiar as músicas todas. Portanto, se não tenho dinheiro, tenho de arranjar uma forma de não sobrecarregar ninguém.. Então comecei a pensar se seria possível fazer assim e criei um conceito a partir daí, vamos ver se conseguimos cumprir com o conceito até ao fim.

20181004 - Entrevista - Nuno Calado - Indiegente Live @ Antena 3

MDX – Os músicos vão ensaiar?

NC – (risos) Isso é uma boa pergunta. Cada um está a tratar dessa parte com os parceiros que lhes cabe. Eu acho que há ali pessoas capazes de fazer algo na hora e bem. A minha escolha também recaiu em pessoas que fossem rápidas a fazer as coisas para não sobrecarregar ninguém. Fui escolhendo pessoas, aos primeiros perguntei com quem queriam trabalhar e aos outros fui eu que sugeri as participações, portanto houve um bocado de tudo. Mas sim, acho que estão a ensaiar. Desconfio que vão haver surpresas que não estão planeadas o que é bom porque é uma festa minha e de toda a gente. Espero que resulte em termos musicais para eles e para o público e que haja ali muito amor em cima daquele palco e que se transmita cá para baixo e ao contrário também. Se der, depois, para alguns músicos que não se conheciam tão bem, fazerem coisas no futuro juntos, para mim óptimo. Vamos ver o que pode acontecer mais. Se houver alguém que queira invadir o palco para tocar mais, também se arranja!

MDX – A escolha dos artistas foi uma escolha Indiegente, uma escolha Nuno Calado ou dos dois?

NC – É difícil de separar os dois. São pessoas que passaram de alguma forma pelo Indiegente ao longo destes 20 anos com quem criei afinidades. Conheci-os a todos primeiro pela música e só depois pessoalmente e nuns a amizade foi rápida e noutros demorou mais tempo mas a condição primeira foi ter pessoas que eu respeito muito musicalmente e depois, já que é para fazer uma festa, quero fazer com pessoas com quem sinto afinidades. Não são só estes, dava para fazer isto durante mais uns dias mas depois mete o Natal e a passagem de ano e já não dá jeito!

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O Indiegente Live vai acontecer no próximo Sábado, dia 13 de Outubro, e vai contar com a presença de: Adolfo Luxúria Canibal, Fast Eddie Nelson, Frankie Chavez, Mazgani, Mr. Gallini, Sam Alone, Scúru Fitchádu, Sean Riley, Señoritas, Surma, The Poppers e Tó Trips.

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