Em alguns países, os 21 anos são anos de estatuto. Onde se passa de adolescente a adulto, onde se consolidam ideias e se definem caminhos. Os 21 anos que o Indiegente celebra, trazem consigo, também, algum peso emotivo e racional de consolidação de um trabalho duro de anos com uma relevância indescritível para o mundo da música e para nós próprios.
Nuno Calado decidiu fazer uma festa grande!! Falo da grandeza com que desenhou um momento único, irrepetível e inesquecível e, com toda a bondade, nos ofertou o mesmo!
Falava-se num furacão a começar às 21h e a comunicação social fez questão de afastar algumas pessoas do caminho. No entanto, os corajosos e amantes de música marcaram presença e, certamente, farão inveja aos que ficaram enrolados em mantas com as portas trancadas.
O que seria um concerto gigante, tomou as proporções de autêntico festival ao ter a duração de 5h. Embora o cansaço já pesasse, cada minuto, hora e momento desta noite valeram a presença no Lisboa ao Vivo, neste Sábado, dia 13 de Outubro. Caras conhecidas, músicos, curiosos e fãs fizeram com que o ambiente se tornasse o mais acolhedor possível.
Seriam 22h15 quando começámos a receber o leque de cores sonoras que iria passar em cima daquele palco que foi cenário de uma perfeita união de almas, corações e talento. A abertura da noite cabia a Luís Simões, ou Saturnia, com os ecos da sua sitar a aquecer e preparar o ambiente, levando-nos embalados em ondas xamânicas de distorção mental. Junta-se a ele O Gajo e a magia que faz brilhar a sua viola campaniça. A construção musical resultante da combinação da sitar com a viola embala e aconchega-nos o coração, rasgando-nos, de imediato, um sorriso no rosto. De seguida, O Gajo a solo a encantar-nos com a intensidade dos acordes que gritam suavemente e nos fazem abanar a cabeça com eles. Surma era a seguinte na lista de encantamentos. A sua delicadeza e sensibilidade sonoras invadiam o espaço do Lisboa ao Vivo, aquecendo os espaços mais frios. Partilha, então, o palco as Señoritas e a sua poética de garra e intervenção. As cordas e a voz tornaram o quadro mais composto e a combinação com a harmonia de Surma resultou na perfeição. Depois de tocarem em duo convidam Nuno Carromeu para as acompanhar na bateria, tornando, assim, o caminho mais intenso e poderoso e, estreando-se em palco com percussão. O palco recebe Tó Trips para, os quatro, caminharem no caminho especial do rock sem preconceito.
Uma pausa para novo planeamento de palco e Mr. Gallini encontra-se no centro do mesmo. A sua elegância cristalina rapidamente nos enche de uma espécie de euforia feliz que nos faz querer estar ali ao lado dele a viver naquele mundo. Entretanto, Fast Eddie Nelson a guitarra e voz numa faixa com Bruno e de repente o peito enche-se de ar e o sorriso alastra! Como se a robustez não fosse já muita, entram em palco para acompanhar estes dois rapazes, João Alves com uma sitar, Luís Simões com a sua, Ash Lewis com o baixo e Rui Guerra no teclado tornando este cocktail num rock’n’psych extremamente apetecível! Mr. Gallini deixa o palco e entra Poli Correia para a voz e guitarra, mantendo-se o resto da tropa. A voz de Nelson reveste-se de uma grandeza tal que nos apetece tocá-la com a mão. O estrondo auditivo que lhe sai do corpo e pelas colunas tem o dom de nos entrar no nosso corpo directamente, provocando um puro estado de prazer. Sai Poli e entra Nelson Reis de We Bless This Mess com o encantamento do violino que cria uma dualidade extremamente bela em conjunto com aquele som meio country que se ouvia naqueles minutos. Nelson troca com Frankie Chavez e o público vai ao rubro com “This Mountain”. Frankie Chavez sai e entra Adolfo Luxúria Canibal com poemas feitos para aquele momento. Toda esta combinação cria-nos borbulhas no estômago e quase nos faz explodir de ansiedade por tudo o que vemos e sentimos. Depois de uma faixa, Scúru Fitchádu entra com a sua faca ao peito para criar um ritmo alucinante e impactante à música e deixar-nos ainda mais fascinados. Fast Eddie Nelson deve ter sido a pessoa que mais tempo esteve em palco nesta fase e no resto da noite, como veremos de seguida e, a sua presença, justificou-se a cada segundo e a cada acorde.
Era tempo de pausa antes de Frankie Chavez assumir o comando sozinho e de mão dada com o seu country blues bonito. Na segunda faixa, fez-se acompanhar da melodia magnética de uma lap steel guitar cantando “Come Together” dos The Beatles. De seguida chama Poli e juntos cantam a canção da força – “My Religion”, trazendo um momento emotivo e mais calmo. É a vez de Sam Alone agarrar nos nossos corações e fazer aquilo que melhor sabe fazer: depositar neles a sua alma. “Gardens Of Death” é a escolhida para unir de imediato todas as almas presentes, as palavras escolhidas e as vozes que se ouvem em coro ajudam ao sorriso e aconchego. “Crucify” é partilhada com Tó Trips tal como uma faixa nova. Mantendo o registo do intimismo e do folk que se toca com o coração, Sean Riley é o seguinte a subir ao palco tocando de rojo “L.A.” e “Dili” fazendo o calor chegar aos olhos e o coração bater com mais força. De seguida chama o seu companheiro e irmão Rai para com ele partilhar uma bela canção numa partilha genuína que vai muito para além do que possamos alcançar.
Estamos quase a chegar ao fim e a sala vai ficando mais fria, mas quem fica sabe que não podia ter uma decisão mais acertada. Numa espécie de montanha russa, esta noite foi-nos enchendo de emoções de todos os tipos e tanto nos acalmou como nos fez explodir e querer correr, correr muito! De seguida vinha uma fase de explosão. Era, agora, a vez dos The Poppers nos abanarem como se fossemos bolas de flippers com “In The Morning” partilhando, de seguida, o palco com a irreverência de Mazgani. A faixa seguinte trazia uma surpresa e um gosto especial, ao palco iria ser chamado Nuno Calado, que não sabia tocar guitarra, para tocar um acorde na guitarra de Rai. A partir daí formou-se um super grupo composto pelo anfitrião da festa (guitarra), Mr. Gallini (percussão), Pisco (baixo), João Sousa (bateria) e Fast Eddie Nelson (guitarra). Momentos únicos que guardaremos para sempre com um sorriso bem puro no rosto.
Uma das surpresas musicais da noite seria Scúru Fitchádu e o seu poder que lhe vem das entranhas. Com uma esquizofrenia saudável, Marcus tem uma das melhores presenças em palco que alguma vez vi em solo nacional! De imediato me deixou boquiaberta não me encontrando preparada para aquilo que acontecia diante de mim. Um afro beat acompanhava um ritmo agudo e metálico de uma faca a bater e uma voz intensa, imponente e extremamente viciante. Depois de três faixas, dá voz a Crise Total, construindo um círculo estrondoso à sua volta. Fast Eddie acompanhava na guitarra e as músicas de intervenção entravam em nós como uma pulsação incontrolável fazendo-nos não conseguir parar quietos. A noite acabaria com a harmonia do punk-rock enérgico de We Bless This Mess e da sua capacidade de espalhar boas energias por onde quer que passe. Nelson e os seus companheiros apresentaram faixas do seu novo disco lançado no mês passado sendo a última música partilhada com Fast Eddie Nelson e, passadas 5h, terminava esta festa do Indiengente, da música, dos músicos, nossa e do Nuno!
Foi surpreendente o resultado das combinações feitas! Foi um momento bonito e único que nunca mais vamos voltar a ver e que superou em tudo as expectativas. Infelizes daqueles que não foram! Pois os que foram saíram do Lisboa ao Vivo muito mais felizes e completos, com uma mão cheia de experiências para partilhar o resto da vida. Obrigada Nuno, Obrigada Indiegente!