20181011 - Entrevista - Mundo Cão @ Ordem dos Arquitectos
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Mundo Cão e o mundo Desligado, Entrevista a Pedro Laginha e Vasco Vaz

Desligado é o mais recente trabalho de Mundo Cão. Depois de 5 anos de interregno, os Mundo Cão voltam a estúdio e mostram-nos um trabalho complexo e coberto de dualidades. Uma poesia densa e pesada acompanha um instrumental completo e repleto de uma carga energética e alegre. Composto por letras escritas pelos punhos de Valter Hugo Mãe, Adolfo Luxúria Canibal e Carlos Conceição, aborda a temática das ligações fáceis e superficiais com que a nossa sociedade lida no seu dia a dia nos dias de hoje.  A voz de Pedro sensualiza e mistifica as canções que, neste Desligado, não são tão melancólicas contendo, ainda, elementos novos na composição instrumental. Foi depois no seguimento deste lançamento a 28 de Setembro que o Música em DX decidiu conversar com os Mundo Cão e tentar perceber um pouco mais da essência deste Desligado. Assim, estivemos à conversa com Pedro Laginha (voz) e Vasco Vaz (guitarras e sintetizadores) e o resultado foi este:

Música em DX (MDX) – O que aconteceu em 5 anos?

Vasco – Fomos todos pais! Isso foi uma coisa que foi determinante para o interregno.

Pedro – E não só! Mundo Cão não é uma banda que sinta obrigação de editar e nós editamos quando sentimos que temos alguma coisa a acrescentar àquilo que já fizemos, não é gratuito e pronto, demorou esses 5 anos, basicamente.

Vasco – Demoramos esse tempo a reencontrarmo-nos um bocadinho de certa forma.

MDX – Reencontrarem-se?

Vasco – Sim, no sentido de ter vontade de produzir. No sentido de criatividade, em termos de existir algum fio condutor que nos unisse a todos em torno de uma identidade, uma identidade sónica.

Pedro – E não só, todos nós temos projectos paralelos: eu sou actor, o Vasco e o Miguel têm os Mão Morta e ambos outros projectos. Fora isso e a própria vida nos foi mantendo cada um no seu lugar até que começou a surgir a vontade de estarmos juntos de novo e fazer algo com Mundo Cão.

Vasco – A verdade é que, também, geograficamente não é fácil, embora não seja impossível principalmente através do uso da internet, mas uma banda precisa sempre de algum espaço comum físico e temporal, precisamos de um espaço de tempo comum que às vezes não é fácil porque o Miguel está em Braga, nós estamos em Lisboa…

Pedro – Nós sempre tivemos uma maneira de compor e trabalhar muito por internet: mandamos uns para os outros as ideias, ouvimos em casa e depois quando nos juntamos é que a coisa ganha uma identidade e uma roupagem mais própria e menos individual.

20181011 - Entrevista - Mundo Cão @ Ordem dos Arquitectos

MDX – Acham que essa questão geográfica contribui para que as coisas às vezes estejam em pausa?

Vasco – Sim, claro.. Eu já tive bandas aqui e tenho bandas com geografia partilhada, por assim dizer, e é mesmo diferente de como vejo muita malta que está no mesmo local e uma vez por semana podem agarrar e ir ensaiar à noite e nós não podemos fazer isso. Às vezes a nossa regularidade não é mais que dois fins-de-semana por mês para rentabilizar os fins de semana… o que acaba por ser muito cansativo porque acabamos por não ter fim-de-semana e não descansamos mas tem a ver com o nosso amor pela coisa. Portanto a lógica de nos encontrarmos é sempre diferente de uma banda que esteja na mesma cidade.

Pedro – Mas também sempre foi um bocado assim, desde o início.

Vasco – Ao mesmo tempo é sempre mais intenso pois estamos algum tempo afastados e quando todos juntos é melhor, mais divertido e construtivo.

MDX – Desligado de quê ou de quem?  

Pedro – O conceito de desligado veio de nós termos de dar sempre um conceito ao disco porque também é um farol para os letristas saberem do que é que vão falar. Neste álbum nós resolvemos pegar no conceito de que estamos realmente todos muito ligados virtualmente pelas redes sociais e internet mas estamos cada vez mais desligados de nós próprios. Acabamos por assumir padrões socialmente aceites. Vais ver no facebook  e a malta de uma geração parece que é toda igual: vestem-se da mesma maneira, ouvem todos a mesma música, criticam as mesmas coisas da mesma maneira, portanto há uma falta de liberdade que é gerada por estarmos desligados de nós próprios.

Vasco – De certa forma estamos desligados de nós próprios sim. Há mais relações, conseguem estabelecer-me mais relações mas relações mais superficiais; aquela identificação que tu sentes com alguém no mundo real, às vezes não é fácil mas quando acontece é muito forte, no mundo virtual acaba por ser menos genuína. O conceito do disco é um bocadinho esse de facto.

MDX – Querem criticar essa sociedade ou também se sentem assim?

Vasco – Acho que mais do que criticar é retratar, é uma foto do que está a acontecer hoje e nós, sem dúvida, não podemos ser hipócritas, acabamos por agir ou interagir da mesma forma porque, apesar de termos nascido noutro contexto, enquadramo-nos na sociedade de hoje em dia e agimos assim também. Agora o que pretendemos é, de certa, forma valorizar um bocadinho o outro lado desconectado da coisa.

Pedro – Nunca foi nosso propósito mandar mensagens para ninguém nem de esperança nem de nada, nós criamos metáforas e as pessoas identificam-se com elas ou não, vêm-se nelas ou não. No fundo, é criar metáforas para as pessoas olharem para elas e se identificarem, não há um objectivo de ensinar ninguém a viver nada, isso é com cada um.

Vasco – Eu tenho ideia que apesar de tudo muita gente apercebe-se disso, percebem o que se está a passar.

MDX – Sinto este álbum com um registo mais alegre a nível de composição instrumental, mais completo e complexo, também. O que aconteceu? Foi intencional? Sentido?

Vasco – Eu acho que haveria algumas pistas já nesse sentido em trabalhos anteriores, não tanto no último mas se calhar no segundo disco e isto é uma pergunta muito difícil de responder porque não está cá o principal compositor que é o Miguel. Mas acho que tem a ver um pouco com a forma como ele idealizou este álbum, se calhar, ao vivo. Nesse aspecto funciona muito bem, nós já o tocamos e o vibe foi muito fixe e até acho que passa melhor do que ouvindo só em casa. Também tem a ver, se calhar, com uma série de referências próprias do Miguel com as quais nos identificamos todos que ainda não estavam tão manifestas como isso e que vieram agora ao de cima de uma forma mais evidente, talvez.

Pedro – Acho que houve um retorno ao formato canção e com recurso à electrónica mas eu sempre senti que a nossa música é um caminho que nós fazemos como artistas e que está subserviente às coisas que vivemos no momento. Como o Miguel é o principal compositor acabamos por viver o que ele vive, por ir pelos caminhos que ele também vai sentindo e, claro que depois lhe damos a roupagem Mundo Cão com os nossos contributos artísticos e criativos e aquilo acaba por soar Mundo Cão. É engraçado porque no concerto de Sábado nós misturámos temas dos vários álbuns e não se sentiu assim tão grande diferença, fica uniforme. Claro que tem picos, há coisas que se sentem que são diferentes, fizemos alguns arranjos mas as músicas não perderam a sua identidade.

Vasco – Isso que estás a dizer de facto é verdade, há temas mais alegres mas também há temas mais down.

MDX – Mas eu encontro esse down mais a nível lírico… mas não o peso instrumental que tinham antes… Posso dizer que consigo acabar com a sensação de esperança.

Pedro – Não foi intencional (risos). O que tu tiras do álbum é uma experiência pessoal tua.

Vasco – Sim! Provavelmente há pessoas que têm outra percepção. O Tema “É Sempre Essa Treta do Amor Eterno que Me Lixa” é super depressivo.

Pedro – A música transmite sentimento e isso é algo que eu adoro em Mundo Cão, nós sentirmos coisas! As letras reforçam isso e tornam, às vezes, esses sentimentos de esperança quase adversos e retorcidos e isso é fantástico.

Vasco – Eu sinto muitas vezes que este álbum não entra logo, mas a impressão que dura é mais duradoura.

MDX – A temática das mulheres, relações, sexo está mais vincada neste álbum. Por causa do Desligado?

Pedro – Sim, por estarmos desligados de nós próprios, do que é realmente real, das relações, do amor, das paixões, da dor… acabamos por camuflar tudo e está sempre tudo bem e estamos sempre lindos na foto, mas a verdade não é essa, devíamos tirar fotografias à parte de dentro de nós.

MDX – Vocês escolhem o Adolfo, o Carlos, o Valter por motivos específicos? De onde vem esta ligação?

Vasco – Podíamos escolher outros sim, mas tem a ver com a identificação, nós identificamo-nos com estas letras e não pode ser de outra forma. Têm de ser estas pessoas a fazer as nossas letras e são só eles que as fazem assim. Acho que assentam que nem uma luva a nós e ao nosso som e àquilo que nós enquanto pessoa e banda sentimos.

Pedro – É quase como se eles fossem elementos da banda. O Adolfo está connosco desde início!

Vasco – Têm feelings diferentes mas são universos que se complementam e que são fatos que vestimos com agrado. Agora tivemos esta descoberta fantástica que é o Carlos Conceição que também encaixa na perfeição. Não é fácil, isto são achados! Nós temos muita sorte de trabalhar com eles e de eles gostarem de trabalhar connosco porque beneficiamos imenso com isso e esta ligação tem a ver com isso. Acho que em parte eles também se identificam com a nossa música e ao escreverem escrevem de uma forma que casa muito bem.

Pedro – São sensibilidades que se enquadram totalmente neste Mundo Cão, na nossa música. O Carlos Conceição, por exemplo, é o realizar do “Ordena Que Te Ame”, o videoclipe, e eu já o conhecia antes, conhecia argumentos escritos por ele que achava maravilhosos e ele andava-me sempre a dizer que gostava de escrever uma letra para Mundo Cão e neste álbum surgiu essa oportunidade, a primeira que ele escreveu foi a “Cidade Lupanar” e nós gostámos tanto que lhe demos outra para ele fazer e ele fez o “Ladra Até Me Acordar”. Já no terceiro álbum fomos ao José Luís Peixoto, também fã da banda, com sensibilidades que nos poderiam servir e serviram, escreveu letras maravilhosas para esse disco.

MDX – Quando vocês pensaram na ideia de Mundo Cão lembraram-se logo do Adolfo? Como é que aconteceu?

Vasco – Eu penso que sim.

Pedro – Devido à proximidade do Miguel, o Adolfo sempre esteve muito perto de nós, aliás o nome foi o Adolfo que deu.

Vasco – O Miguel recorre muito a ele. Nós somos todos muito amigos mas eles já se conhecem há muito mais anos e o Miguel confia muito nele de tal forma que até o nome lhe pediu sugestão: nós tínhamos uma série de nomes que se tornaram lixo quando ele chegou com a ideia de Mundo Cão e no primeiro álbum as letras são todas dele.

Pedro – É uma pessoa que nos acompanha e nos vai dando umas achegas e é fantástico.

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MDX – Vivemos num Mundo Cão?

Pedro – Totalmente!

Vasco – Olhando então agora para o resultado da primeira fase de eleições no Brasil e noutros sítios e sim! Espero bem que não seja preciso uma catástrofe para isto voltar a encarrilhar porque a história não é linear e não se desenvolve num sentido único, pelo contrário. Nunca pensei que passado tão poucos anos depois da 2ª Guerra Mundial as pessoas se esquecessem de tudo e esteja outra vez esta intolerância e violência e falta de respeito, isso deixa-me triste.

MDX – Querem fazer um balanço destes mais de 10 anos de Mundo Cão?

Pedro – É muito positivo, temos crescido muito com Mundo Cão. Mundo Cão começou com uma ideia e depois temos estado a trilhar caminhos. Uma coisa que me agrada é que não estamos presos a nada, só a nós próprios e ao nosso crescimento como artistas, pessoas e isso é o que talvez possa diferenciar Mundo Cão de outros projectos. Nós não sentimos obrigação de fazer para agradar, queremos primeiro que tudo agradar-nos a nós próprios e revermo-nos no trabalho artístico e isso é muito bom! Estarmos 11 anos em actividade e conseguirmos ainda trilhar esse caminho.

Vasco – Para mim é sempre positivo desde que possa estar a fazer música, a criar e a puxar pela cabeça para trazer coisas novas e com pessoas de quem eu gosto.

MDX – Como estão de concertos para mostrar este álbum?

Pedro – Por enquanto ainda há aí muito pouca coisa, temos um em Braga dia 16 de Fevereiro e temos algumas hipóteses e perspectivas que ainda não estão consumadas e, portanto, não vale a pena estar a adiantar mas vai haver novidades!

Fiquem atentos! Os Mundo Cão estão de volta e prometem ligar-nos ao mundo do qual andamos tão desligados.
Podem ouvir o álbum aqui.