A segunda noite do Jameson Urban Routes de 2018 foi a primeira a ter a sua lotação esgotada, o que não é nada surpreendente atendendo ao facto de quão imprevisível poderia ser uma noite num clube do Cais do Sodré com os Mão Morta. Sim, Author & Punisher é algo a não perder mas a verdade é que se o Musicbox teve a sua sala esgotada foi por causa de Adolfo Luxúria Canibal e companhia.
A fazer jus ao que tem sido habitual a casa primou pela pontualidade e pela organização nesta noite de quarta-feira, e por volta das 21h40m Author & Punisher estava no palco onde temos apenas três mesas com instrumentos nada convencionais. Tristan Shone, natural de San Diego é Author & Punisher, uma one man band que se materializa através dos instrumentos idealizados e construídos pelo próprio. Tristan conseguiu materializar verdadeiramente aquilo que toca; um doom industrial, e criou instrumentos a partir de máquinas e outros aparelhos que normalmente associaríamos a uma fábrica ou oficina.
O som que produz é intenso e duro. Tristan Shone produz ultrapassa muitas bandas de quatro ou cinco elementos, existindo momentos em que a barreira do conforto é excedida, levando a reverberação produzida a esbarrar no nosso corpo com alguma violência.
Mas a verdade é que transcendido o impacto inicial torna-se irresistível e os corpos embarcam naquele som industrial, incrivelmente levado ao extremo, uma autêntica tempestade de onde emergimos quase purificados. Muito aplaudido Tristan Shone voltou ainda para mais uma música, visivelmente feliz com a recepção do público.
Devido à especificidade dos instrumentos com que trabalha Author & Punisher, a paragem entre os dois concertos rondou perto dos 30 minutos, mas o público de forma nenhuma abrandou no entusiasmo que partilhava ou mostrou sinais de qualquer cansaço, apenas a ansiedade aumentava à medida que se sentia cada vez mais próximo o momento dos Mão Morta entrarem em palco. Esse momento chegaria poucos minutos depois das 23h com o colectivo a entrar em palco visivelmente bem disposto e a ser saudado por uma sala cheia de fãs, muitos deles de longa data. Suspiros, gritos de entusiasmo, os sorrisos cúmplices dos Mão Morta e o sentido de humor de Adolfo Luxúria Canibal encetariam a noite; “Hoje estamos apertadinhos, vai dar para aquecer!”. De facto o ar estava naquele momento a tornar-se bastante saturado num Music Box repleto e a transpirar de ansiedade, onde muitas conversas rodavam à volta do alinhamento possível ou sonhado para esta noite mais intima. A primeira música depois daquele quebra gelo brincalhão assume um tom solene uma melodia suave e magnética onde o discurso assume um papel fulcral, um discurso que nos fala no mundo e nas suas falhas, música essa que irá figurar no próximo trabalho da banda, o qual provisoriamente chamam “Frio”. A noite segue calma e solene pela história de Tiago Capitão e por Chabala para desembocar na revisitação ao querido Caricias Malicias. Sitiados e Pássaros a Esvoaçar excitam toda a audiência no mergulho do vocalista para o meio do público, como um ritual repetido desde sempre. Depois da comunhão da carne da banda com o espírito do público, um feroz Destilo Ódio e um pujante e expressivo Tu Disseste, acompanhados palavra a palavra, gesto a gesto pela maioria do público. Penso que Penso e Aum encerram o momento da banda se fazer sentir desejada pelo público que grita e pede mais, e não pediu muito, os próprios admitiram que isto já é mais uma formalidade que outra coisa…. e voltaram para Velocidade Escaldante e Facas em Sangue. Vertiginosos e exigentes, mais que uma banda são um colectivo de músicos que nunca desistiu de perseguir o seu ideal e que se transformaram numa das maiores bandas de culto na nossa cena musical. Encerram uma mística e um fascínio difíceis de igualar em palco e esta noite no Music Box foi um privilégio que todos agradecemos.
Fotografia (capa) – Ana Viotti | Musicbox Lisboa
Promotor – CTL | Musicbox Lisboa