O francês Christophe Chassol veio até ao Teatro São Luiz dar um espetáculo que teve tanto de difícil de definir como de riqueza em termos artísticos. Na noite de 15 de novembro, o Misty Fest brindou-nos com algo que demonstra que um concerto de música pode ser muito mais do que isso.
Antes da chegada do som ao cinema (na época do chamado cinema mudo), normalmente as projeções cinematográficas eram acompanhadas por música tocada ao vivo. O espetáculo que Chassol trouxe até Lisboa teve um pouco do que era o cinema dessa altura.
Pianista, compositor, arranjador e diretor musical, este parisiense, quase sósia do artista norte-americano Jean-Michel Basquiat, surgiu em palco pouco depois das 21h juntamente com o baterista Mathieu Edward, que o acompanhou em quase todos os momentos do espetáculo. Com eles em cena estavam um piano de cauda e um teclado, ambos à disposição de Chassol – que se foi revezando de um para o outro, ficando de costas para o baterista quando se virava para o piano de cauda –, e uma bateria. Ambos os músicos estavam assim de lado para o público. Atrás deles, um enorme ecrã onde foi projetado o filme.
O concerto (ou será sessão?!) inicia-se com Chassol a comunicar com o público em francês – de destacar a muita comunicação feita também nessa língua por pessoas presentes na plateia –, para de seguida mandar pôr o filme a rodar. Ele começa então a ser projetado como um outro filme qualquer, só que este não é totalmente mudo, já que se vão ouvindo diferentes sons (pássaros a cantar, alguém a tocar flauta ou piano, ou até mesmo a assobiar ou a cantar), por vezes em loop, que vão interagindo com o que os dois músicos vão tocando em palco (a fazer lembrar um pouco o que os U2 fizeram por alturas da ZOO TV Tour, em 1992 e 1993). O vídeo está dividido em três partes, devidamente referenciadas, sendo cada uma delas composta por cinco ou seis canções, ou momentos musicais, que tanto mostram um Chassol enquanto discípulo da escola minimalista de Steve Reich ou John Adams ou um outro mais entusiasta da cultura pop. O filme é quem comanda tudo o que se vai passando, sendo uma espécie de maestro, e Chassol e Mathieu Edward têm que o seguir por inteiro, o que os obriga a uma ginástica especial para se manterem em interação completa e correta com a imagem e os sons que vão “saindo” do ecrã. Por vezes notaram-se algumas falhas, como no final da segunda parte quando a música que estavam a tocar se atrasou um pouco em relação ao que se estava a passar no ecrã, terminando já com este a indicar que se ia entrar na terceira parte.
A dada altura interrogamo-nos se estamos perante um concerto musical ou uma sessão de cinema. Até mesmo o comportamento do público, “desaparecendo” por completo durante as canções e só dando sinais de vida quando aplaudia ao final de cada canção ou de um solo de bateria, não ajudava a esclarecer-nos. Os créditos finais que correm pelo ecrã, como acontece em qualquer filme, só complicou ainda mais a tentativa de definir o que se estava a presenciar. Concluímos que para além da originalidade do espetáculo apresentado por Chassol, este é também aquilo que muito bem quisermos chamá-lo e é essa liberdade, que o artista francês explora ao máximo, que temos para avaliar a sua arte que torna tudo mais especial e, neste caso, mais imprevisível e de difícil catalogação. No fundo, até podemos dizer que estivemos perante uma autêntica peça de museu, que bem poderia estar exposta num qualquer centro de arte contemporânea.
O filme termina e Chassol volta a comunicar com o público, para depois ele e o seu companheiro da bateria se atirarem a mais um momento musical, mas desta feita já sem a “ditadura” imposta pelo filme, ficando só os dois a brilharem em palco, tocando sem qualquer outra preocupação. Segue-se um momento em que Chassol fica sozinho, para depois vir o inevitável encore, com os dois a darem mais uma demonstração clara dos seus enormes dotes musicais.
Promotor – UGURU