O fim-de-semana é com chuva num ambiente de Outono, e ontem foi noite de celebração com todos os morcegos da capital a congregarem-se numa sala com ambiente de complexo industrial abandonado no meio da LXFactory, para assistir ao concerto de Peter Murphy & David J, os dois ex-Bauhaus, que eles sim, se congregaram nesta iniciativa de comemorar os 40 anos da banda com uma digressão que, já havendo passado pelo nosso país no Festival EDP Vilar de Mouros no Verão, encontra hoje nesta sala o ambiente ideal para serem tocadas para um público fiel, em catadupa as canções do primeiro disco In The Flat Field, álbum destruído na altura pela crítica musical e que hoje, como sabemos, por décadas reinou e reina ainda no coração de punks, vanguardas, góticos e melómanos.
Antes, e porque a ocasião certamente o merecia, logo e também antes que a sala enchesse por completo, pudemos assistir à actuação dos Desert Mountain Tribe, trio que sediado em Londres, toca um rock marcado e simultaneamente psicadélico, fazendo por vezes lembrar os Black Angels, por exemplo, mas mostraram identidade própria e foram uma boa surpresa, pois que, com quem ia falando na sala, poucos eram os que sabiam que haveria uma banda de primeira parte. E o rock enérgico desta banda serviu de aperitivo para irmos aquecendo motores para o que aí vinha a seguir. Sugiro tentarem ouvir o segundo disco da banda Om Parvat Mysteryuma, deste ano, e sim, é mesmo assim que se escreve, no mundo do psy-rock vale de tudo. Foram lentamente ao longo de dois EPs e de dois álbuns, construindo o seu som e o seu following, pois já existem desde 2012.
Musicalmente em palco, secção rítmica muito aprumada, o vocalista e guitarrista Jonty Balls (de novo, é assim que se escreve, afinal estamos no mundo do rock psicadélico…) mostrou ser um frontman comunicativo e um guitarrista eficaz, também.
Com a sala cheia, e com um atraso de meia hora, que até caiu bem, o ambiente transportava-nos para uma década atrás em que os concertos não tinham todos de começar exactamente a horas e em que a fila para os balcões do bar era sempre enorme. Peter Murphy, David J, o guitarrista Mark Gemini Thwaite e o baterista Marc Slutsky, entram em palco e iniciam uma rápida e avassaladora interpretação de “I Dare You”, o baixo distorcido de David J a fazer lembrar saudosos concertos de passadas reuniões dos Bauhaus que passaram por Portugal em salas e festivais. A festa iniciou-se ruidosa, a acústica da sala embora difícil, pareceu ideal para quem estava perto do palco e ali podia ser atingido pelos decibéis das guitarras de Mark, pelos ritmos da bateria, pela voz em esforço de Murphy e pelo desenrolar rocambolesco do tema seguinte, o genial “In The Flat Field”.
Para quem esteve presente por exemplo há poucos anos no Coliseu dos Recreios, seriam os 35 anos? Em que Peter Murphy acompanhado de outros músicos, com a excepção de Mark Gemini Thwaite que na altura era já o seu guitarrista em digressões a “solo”, pudemos ver que hoje, a escolha era captar o mais possível o “som original” na escolha das guitarras e na amplificação utilizada, e até porque está lá David J e o seu baixo, que tem muito do som Bauhaus, e não há grande espaço para arranjos mais próprios pelo resto da banda, o guitarrista embora não exactamente a tocar com uma Fender Telecaster single coil, à semelhança do que Daniel Ash fazia estava lá próximo a nível de identidade sonora. A guitarra de Mark Gemini Thwaite, soa mais cortante do que o habitual e este interpreta fielmente o papel de Ash na guitarra. O baterista desembrulha os ritmos com uma precisão marcante e, tendo em conta que toda a música dos Bauhaus é de difícil execução pela gerência dos tempos, das entradas da voz e guitarras, pela forma peculiar dos arranjos, a banda apresenta-se com uma precisão marcante nestes dois temas o que se manteve no resto do concerto, e mesmo a custo mais tarde no emblemático “She´s In Parties”, onde Murphy anuncia que convidaram alguém que conheceram no avião para tocar percussão nessa canção com eles, Adam Labar, (músico que viemos a saber mais tarde, pelo próprio, ser o vice-presidente da União dos Refugiados em Portugal e natural do Gana) altura em que a banda se estende em regime de improvisação, de certo modo um pouco para acolher o convidado e dando lugar a um dos momentos mais informais a que já assisti num concerto de Peter Murphy.
Sim, porque por debaixo da sua confiança e atitude teatral está sempre visível para os mais atentos ou para os que o revisitam em concerto, uma constante vigilância do que os músicos que o acompanham em palco estão a fazer, não sendo invulgar (embora raro) um acorde ou algo que entrou fora de tempo ser alvo de um olhar fuzilador por parte do mestre de cerimónias. Mestria e completa atenção é o que este ex-Bauhaus sempre exigiu dos músicos que o acompanham, mas hoje, não fugindo do assunto em questão estes Bauhaus, sem o serem por completo (uma vez que Daniel Ash e Kevin Haskins não quiseram aceitar o convite para esta celebração…) estes Bauhaus soaram como deviam, uma banda que foi buscar muito ao punk, ao reggae, ao glam rock na sua génese original e hoje, transmitiram em palco a energia bruta e visceral destas canções.
O alinhamento foi previsível mas entusiasmante, foram nove músicas do primeiro disco In The Flat Field, e mais que muitos e bons temas a levarem o público sempre fiel, ao rubro. Tivemos as mudanças de roupa de Peter Murphy, os teatros com as luzes ou o embrenhar de uma coroa em “God In an Alcove”; a constante manipulação de sons em “Bella Lugosi´s Dead”, em que claro, houve a maior ovação da noite, talvez só equiparável aos primeiros acordes do tema final do derradeiro encore, – a versão de Bowie claro, “Ziggy Stardust”. Foi um prazer redobrado ouvir “Adrenalin” do mais “recente” disco dos Bauhaus, ou clássicos como “Kick In The Eye”, “The Three Shadows”, ou “Burning from the Inside”; “Severance” dos Dead Can Dance também era expectável, e foram mais de 20 canções e foi mesmo um prazer poder ver David J naquele palco. Por agora, esta celebração depois da Europa, ainda vai até aos Estado Unidos no início do próximo ano e depois é previsível que Peter Murphy se volte para a sua carreira a solo, ela que também é por incrível que pareça, depois de tantos anos, congregadora de devoção por parte desta assistência.
Promotor – Lemon Live Entertainment