Opinião Reviews

Jibóia, OOOO e o calor dos sentidos

Uma das características mais vincadas da música é o poder que tem de, quando boa, nos apurar os sentidos e nos fazer despertar sentimentos ou sensações adormecidas, ou intensificar algumas bem vivas. A música que vos trago hoje é uma música de sentidos, de paladar e sensibilidade ao toque e de harmonia irrequieta.

Depois da volta ao mundo feita a bordo de Masala, dois anos e meio depois, Jibóia regressa aos discos para nos apresentar o seu quarto trabalho de estúdio OOOO. Num registo ligeiramente diferente do anterior, Óscar deixa algum peso, distorção e ritmo de lado, para se focar na harmonia e intensidade melódica que cada instrumento e cada membro da família Jibóia pode alcançar. Esta família é composta pelo Ricardo Martins e pelo Mestre André.

“Na verdade foi nas sessões de composição do álbum, no DAMAS, que demos ênfase, em cada noite, às ideias de cada um (fizemos 4 sessões: uma com ideias minhas, outra as do Ricardo, outra com as do André e na final juntámos as melhores de cada um), o que não corresponde concretamente às músicas que estão no disco (a primeira música veio da sessão geral, a segunda veio da minha sessão, a terceira da sessão do André e a quarta da sessão do Ricardo)”

Neste trabalho, composto por 4 faixas divididas por 4 sessões, podemos embarcar numa viagem à volta do planeta terra e de vários outros. Mas não será uma viagem cósmica, será, acima de tudo, uma viagem sensorial que nos vai fazer passar a língua suavemente pelos lábios e saborear algo a que não estamos habituados.

“É uma brincadeira gráfica que começou numa conceptualização do disco ligando-o à teoria da Harmonia das Esferas, (de Pitágoras, que diz que o movimento de cada planeta a girar em torno do sol cria uma frequência, e que essas frequências todas juntas constroem uma harmonia interespacial) e que acabou em 4 formas geométricas menos concretas como ovos, ou o facto de serem 4 músicas ou de este ser o 4º lançamento de Jibóia.”

É precisamente esta harmonia circular que nos oferece este OOOO, talvez em forma de eterno retorno com um diversos percursos interplanetários. Em “Diapason”, encontramos um espaço perturbador que nos faz colocar em mente numa esfera distante e, ao mesmo tempo palpável. De olhos fechados, conseguimos tocar com os dedos as ondas sonoras e as camadas sensuais de ritmo suave e denso que los levanta os pés do chão, fazendo, por vezes contemplar uma espécie de misticismo quente, deixando-nos a tremer interiormente. “Diapende”, single de lançamento, já nos reporta a uma aura festiva, impossibilitando a existência de inércia quer física, quer mental. Os sons graves e a percussão e o saxofone tornam a música entranhável, complexa e demasiado inquietante, ao mesmo tempo que nos satisfaz a mente.

“”Diapente” é uma celebração sem medos de lugares-comuns, tonta e despretensiosa, que desde o primeiro minuto nos deu vontade de juntar pessoas para fazerem isso mesmo: procurarem no baú do Carnaval o que quisessem.”

“Diatessaron” abana-nos dos pés à cabeça. Dotada de uma força transcendente que fica em loop a bater nas paredes do crânio, trata-se da frequência mais aguda e dotada de explosões harmónicas em desarmonia que nos tiram o fôlego e fazem aumentar a insaciedade. Com um final audaz, faz-nos sentir como se não percebessemos bem o que se passou mas quiséssemos lá voltar de imediato. A faixa mais longa do álbum, “Topos”, por sua vez, é a ansiedade desconcertante, uma falsa calmaria que cria interferências e questões em torno do que é a harmonia interespacial. Uma mescla de sentidos e essências que nos completa e faz terminar a audição de barriga e ouvidos cheios de satisfação, com uma espécie de dormência extasiante.

OOOO sai no próximo dia 30 de Novembro e pode ser saboreado ao vivo nestas datas:

Dia 7 de Dezembro  – ZDB
Dia 8 de Dezembro – Maus Hábitos

Respostas por Óscar Silva.

Fotografia (capa) – Cristiana Morais