Todos nós, por vezes, precisamos de um fio condutor que nos ligue a diversas coisas. No passado sábado à noite, esse fio foram os ingleses Wire e a sua magia de mestre que sabe o que faz e faz da melhor maneira possível! Um fio que nos guiou até onde queríamos, independentemente, de onde fosse.
A noite avermelhada e húmida que se recaia sobre nós, não afastou as pessoas de irem no dia 24, até Alvalade, ao RCA Club, para verem os magníficos Wire. A noite prometia ser de grande intensidade e assim foi!
Os primeiros a pisar o palco seriam os Sweet Nico. A dupla lisboeta aparecia diante de nós poucos minutos depois das 22h e vinham apresentar o álbum novo R Eborn. Uma intro sonhadora, tal como a música deles, antecedeu a entrada de Marisa em palco onde já se encontrava David a brincar com a guitarra. A voz é lenta, os riffs inquietantes e agudos e os sintetizadores suaves. A dupla enternece os presentes com o seu dream pop coberto de dualidades como a tranquilidade vs ansiedade provocada pelos riffs e as semelhanças Beach House vs Mazzy Star. Sendo tão assumido que ouvimos “Fade Into You” desta última. Não só R Eborn foi mostrado, ouvimos também algumas faixas do R Evival, sempre com emotividade e carisma.
Uma sala cheia, um público a fugir a novo e uma ânsia a pairar. Os Wire já não vinham a Portugal há décadas e queriam tanto quanto nós estar ali. Os lugares em palco foram-se preenchendo com uma intro que aparecia como se viesse de longe mas com a capacidade suficiente para nos fazer comichão mental. Apesar da inércia de movimentos que advém da idade, Colin, Graham e Robert, conseguiram mostrar que tudo o que os levou até ali se mantinha fiel àquilo em que acreditavam e, embora num registo menos punk-rock, deram-nos a leveza artística, complexa e composta do art rock envolta num belo manto de construções extremamente intrigantes. Matt Simms, o “garoto” da banda, trabalha a guitarra com uma perícia de ansião e agarra em nós ao de leve levando-nos a caminhar por um espaço confortável onde a alacridade é o principal foco.
Apesar da voz de Colin já carregar o peso da idade, conseguiu mantê-la na mesma linha rítmica e com a mesma vontade que sempre a acompanhou. As músicas tanto cantadas, como exclamadas ou faladas eram, na sua maioria, rápidas, certeiras e com aroma a punk rock, terminando sempre quando menos esperávamos. Apesar de não terem a mesma energia, a essência mantinha-se e isso sentiu-se ao longo de cerca de 1h30. Distorções gritantes, pedais alucinantes e harmonias electrizantes deixaram-nos longe do RCA e longe de nós próprios. O sítio onde cada um se perdeu é incerto e segredo, ficando a certeza que era ali que devíamos estar e estávamos felizes. Neste caminho, passei por alguns clubes húmidos e eras interventivas e libertadoras. Pelas colunas entrava-nos directamente no corpo um som cru, sem merdas nem trocadilhos! Da extensa discografia que carregam na mala, muitos foram os discos que visitamos tendo ouvido “Be Like Them”, “Girl Rhumba”, “Off The Beach”, “Small Black”, “Ahead”, entre muitas outras. Na recta final, o mais recente trabalho lançado em Março de 2017 – Silver/Lead – fez-se notar com “Playing Harp For The Fishes” e a calorosa “Short Elevated Period”, colocando-nos numa praça qualquer num fim de tarde de verão dos anos 80 com os amigos mais chegados. Para terminar, a intensidade dura, duradoura e poderosa da bela “Shadows” que me fez abrir os olhos e quase perder o equilíbrio por voltar à terra. Depois uma pausa para respirar, uma prenda especial de duas canções que nos deixaram voar prazerosamente por mais uns largos minutos.
Embora tenham sido inspiração de muitas bandas que tanto ouvimos na actualidade, os Wire nunca tiveram o reconhecimento merecido e é triste sentir o quão maravilhosos são e o quão bom seria se todos pudessem ver e sentir um concerto deles! Obrigada por este bocadinho, pelas viagens, pelo regresso ao passado e pelo alimento da alma que tanto precisava de alento naquele dia chuvoso.
Promotor – At The Rollercoaster