“I said I know it’s only rock ‘n’ roll but I like it!”
14/09/1956 – 30/11/2017
Ameaçaste muita vez mas, para além de o ser humano acreditar que os heróis não morrem, sempre lutaste contra as rasteiras da vida com o maior espírito de vencedor. A verdade é que o dia chegou e ninguém o esperava. Ninguém estava preparado. Nem tu! Nem nós!
Passou-se um ano desde que Zé Pedro nos deixou sem nos deixar. Foi no final de tarde do dia 30 de Novembro de 2017 que, na verdade, ficou imortal!
José Pedro Amaro dos Santos Reis nasceu a 14 de Setembro de 1956 e não tinha muitas artes com a guitarra! Apesar de músico, uma das suas maiores virtudes era a ínfima sabedoria musical que carregava consigo. Em paralelo, desenvolveu um gosto pela partilha e tinha, sem a menor dúvida, um dos corações mais generosos e genuínos que conheci. Sonhador desde a infância, agarrou-se ao sonho com a força de quem agarra uma bóia no meio do oceano e provou a todos, contra todos os clichés que, efectivamente, o sonho leva-nos onde queremos estar, desde que saibamos lutar!
A luta sempre foi o forte dele, “remar, remar… forçar a corrente!” e por tudo, por todos e por nada lutou. Lutou sempre desde que se lembra de si próprio até ao fim dos seus dias.
“As coisas boas custam a valer, dão trabalho a conseguir
e se me dizem que não vale a pena devem ter alma pequena
Por isso digo agarra a minha mão, não sou Jesus mas salvação!”
(“Não sou Jesus” – Xutos & Pontapés)
Com pai general, passou a sua infância a viajar de porto em porto sem pouso fixo tendo em 1960 feito a sua primeira grande viagem para Timor. Cedo aprendeu que o valor material não existe e que, aquilo a que devemos dar mais importância é a relação humana, e foi com estes alicerces que começou a construir uma personalidade genuína, sempre com relevância à família e à música. Foi-se construindo de generosidade e paixão com o principal objectivo de marcar sempre a diferença em tudo. Irreverente e revolucionário de instinto, juntou-se a grupos de punks e de activistas pós 25 de Abril e tinha os seus desacatos e intervenções contra o sistema, cedo se mostrou um ser muito independente e, ao mesmo tempo, unido à família. A escola não era o seu forte, custava-lhe estar ali fechado, mas tirou um curso de jornalismo e começou a escrever críticas musicais para o Suplemento Mosca do Diário de Lisboa e era convidado a fazer diversos programas de rádio, uma vez que tinha um amplo conhecimento do que se passava no mundo da música. Foi, no entanto, depois de fazer o interrail pela Europa com a irmã Helena e fazer um desvio para ir a um festival punk em Mont-de-Marsan que mudou a sua vida. Aqui viu The Damned, The Clash e Lou Reed e descobriu que o que queria mesmo era passar a vida na estrada e de palco em palco.
Nesse ano, tornou-se manager dos Faíscas e assinou um manuscrito com Pedro Ayres de Magalhães feito de mortalhas e com sangue, onde se lia que iam ser grandes na música. E assim foi! Nesta altura, tinha escrito Podrezinnho na sua case de guitarra por causa do Johnny Rotten dos Sex Pistols e esse nome acompanhou-o, como alcunha, por longos anos, até para a imprensa.
Numa tour com os Faíscas, Zé Pedro conheceu Zé Leonel e foi com ele que começou a falar em criar os Xutos & Pontapés. No dia 13 de Janeiro de 1979 os Xutos estreavam-se em palco no Alunos de Apolo. Altos e baixos, contratempos, pessoas erradas e tudo a acontecer muito rápido. Algumas vezes estiveram para acabar mas, como disse, a luta pelos sonhos sempre foi o ponto forte do Zé e, felizmente contaram com quase 39 anos de carreira. Falo no passado, aqui, pois os Xutos partiram com o Zé no dia 30 de Novembro de 2017:
“Os Xutos sem o Zé Pedro não existem – Tim
Os outros Xutos sofriam à distância. Mantinham-se afastados do hospital para tentarmos despistar os media. Eles colaboravam em tudo. Se necessário fosse, estavam dispostos a espalhar-se pelos outros hospitais às horas das visitas. O Tim, contudo, tinha um tio hospitalizado em S. Francisco. Aguardou connosco o relatório dos médicos. As conversas são difíceis nestas alturas, mas lembro-me de falar na eventualidade de os Xutos terem de substituir o Zé Pedro.
O Tim foi categórico:
- Sem o Zé, os Xutos acabam. Os xutos sem o Zé Pedro não existem.
- Sim, mas quando o João C esteve doente vocês chamaram o Ronnie Champagne e tocaram com ele. Seria uma substituição temporária…
- Leny, os Xutos sem o Zé Pedro não existem. Se for preciso paramos meio ano e recomeçamos em Janeiro, paramos um ano inteiro, o tempo que ele precisar… e recomeçaremos e tenho a certeza que teremos fãs à nossa espera. Mas, sem o Zé, não temos Xutos. Cancelaremos todos os concertos. Paramos tudo por este ano, recomeçaremos quando ele quiser…” in Não Sou o Único, Helena Reis, pág. 165 sobre o episódio de Agosto de 2001
Não só para o rock’n’roll tinha ele tempo. Apesar de ter dedicado quase a vida inteira ao mesmo com os Xutos e outras bandas e participações, como crítico de música, com programas de rádio, Djing e com o Johnny Guitar (1990 – 1996), o Zé tinha espaço para cuidar, amar, ouvir, aconselhar, viver, acreditar, ensinar, sonhar e lutar, sempre com o melhor sorriso nos lábios, aquele que lhe conhecíamos tão bem. Sempre com a certeza de que amar a vida e tudo o que ela nos dá é o melhor caminho a seguir. E é por seres assim que sei que não querias partir.
Zé Pedro teve 4 pessoas marcantes na vida dele: Mizé Rodrigues, Ana Godinho, Xana e agora, Cristina com quem casou, a mulher da sua vida. Passou por mortes marcantes na família e que lhe tiraram o tapete, andou de mão dada com a droga e o álcool até ouvir a mãe dizer “Ando eu a lutar para viver e tu a destruires a tua vida” e, imediatamente deixou, sozinho, a heroína. O álcool e outras drogas foi mais tarde, em 2001, quando quase perdeu a vida. Nunca escondeu ou teve vergonha das suas experiências e conflitos internos, tendo percorrido Portugal a dar conferências, a falar nas escolas sobre os riscos de tudo, servindo de ajuda e exemplo para muitos. Amante incondicional de Rolling Stones e The Clash, viu o seu sonho concretizado em Setembro de 2003 quando os Xutos abriram o concerto dos Rolling Stones em Coimbra e era disso que ele vivia: concretizar sonhos e ajudar pessoas a fazê-lo!
Lembro-me da primeira memória de ouvir Xutos. Estava na carrinha Toyota Hiace verde dos meus pais, deitada na parte de trás a olhar para o vidro da porta traseira e cantarolar a “Não sou o Único” enquanto olhava para o céu azul, devia ter 7 ou 8 anos. Depois fui ouvindo, foi entrando e pouco tempo depois andávamos de mão dada para todo o lado! No dia em que te conheci pessoalmente estava a chover, chovia muito e o dia tinha sido pesado, mas tornou-se muito mais leve a partir desse momento! A tua pureza, amizade, disponibilidade e simpatia fizeram com que o mundo parasse e uma força nascesse do mais profundo recanto. É isso que tu sempre foste! Uma fonte de luz e garra, de esperança, de inspiração. Para mim e para todos os que te conheciam e os que não conheciam.
O Zé dizia sempre “Preservem o rock”. Assim será, a ele e a ti! Serás sempre “O Único”!
Só me resta agradecer por tudo o que fizeste por mim, pela música e pelas pessoas.
“Sinto dor no teu olhar,
Mas ainda tens de acreditar
Que nem sempre se pode vencer,
Mas que se pode sempre ganhar”
(“Mil dados” – Xutos & Pontapés)
Referências:
.Não sou o Único, Helena Reis
.Conta-me Histórias, Ana Cristina Ferrão
Fotografia (capa) – Jorge Buco