Fomos ver os Medicine Boy ao Sabotage, um duo sul-africano praticante de um indie rock calmo, soturno e melódico, de guitarras explosivas… . Ao entrar na sala não deixei de reparar no incenso que se sentia no ar, e ainda pensei por momentos que eram os Kula Shaker que iam tocar… brincadeira minha enquanto vislumbrava o palco decorado com o Fender amp de Andre Leo e o teclado de Lucy Kruger. Rapidamente percebi que a casa nessa noite não iria encher muito, embora mais tarde a meio do concerto lá estava eu, confortavelmente no meio das pessoas com algum espaço para me mover em contraste com outras noites mais apertadas, e a pensar que assim é eu que gosto de estar. O som desta banda com algumas referências da trupe Nick Cave, Rowland S. Howard e até dos The Kills, fazem dos Medicine Boy candidatos ideais ao palco secundário de qualquer um dos festivais de referência de Verão e quando isso acontecer as multidões vão atrás e já não se consegue estar numa sala destas com algum espaço para ver este duo. Para já, são pertença de alguns que os conhecem sem terem ainda neles o selo do “The next big thing”.
Logo ao terceiro tema, ouvimos “E.V.I.L.” num registo bem menos comercial e mais intimista cadenciado e prolongado do que o single original de 2016, com a cadência do timbalão de chão de Lucy a coordenar o ritmo, e a guitarra de Andre a prolongar a loucura sónica em algumas partes com os seus pedais de ruído, intercalado com as partes mais calmas com acordes “arpegiados” com um som mais clean, desembarcando os dois perto do final desta canção, em alguns versos improvisados de “Mercy Seat” de Nick Cave & The Bad Seeds.
São argumentos suficientes para eu me sentir conquistado à partida. Bebi o meu copo de vinho despreocupado em escrever grandes notas de consideração estilística. Este é um dos concertos que se vai ver e é um exercício fútil tentar trazer-vos para o ambiente que se viveu. Trata-se de rock´n´roll tocado por um duo com pinta, onda, imaginação criativa para em nove ou dez canções fazerem um concerto competente, irreverente, sem eles próprios o aparentarem ser. Irreverentes, quero eu dizer, competentes são e são também bastante reservados em palco, mas simpáticos e ao mesmo tempo comunicativos. E as poucas dezenas de pessoas que assistiam ao concerto em silêncio estavam mesmo concentradas “naquilo”. Lembro-me de a certa altura alguém fazer mais barulho a falar perto do bar, e quase de imediato alguém também atrás de mim, com algum humor na voz, pedir silêncio, ‘que se respeitem os artistas’ ou algo assim. É como vos digo caros leitores, isto é gente que labuta já com dois ou três álbuns, e vocês daqui a uns tempos ainda vão pagar, desculpem a expressão, uma pipa de massa, para os ver. Eu nem quero saber, se calhar na altura nem lá meto os pés, não vão eles estar adulterados por um conjunto de managers ambiciosos a pedir que sejam os próximos The Kills.
Esta foi uma noite que me deu bastante prazer. Ver uma banda que está num bom momento criativo e que nesta altura ainda se dão ao trabalho de ensaiar versões bonitas, ora de canções como “Pale Blue Eyes” dos Velvet Underground, ora de “To Bring You My Love” de PJ Harvey, esta última a fechar o concerto, servida como sobremesa bem merecida ao público em jeito de agradecimento.
Antes, ou fazendo um pequeno rewind, haviam tocado “The strange In Me”, canção que numa qualquer noite destas de insónia me apresentou estes Medicine Boy – e é esse o poder da Internet, novas sonoridades disponíveis para escuta que reciclam o antigo com o novo, boas canções, boas vozes e boas guitarras terão sempre um appeal intemporal. E assim termino esta crónica sem tentar ser muito descritivo na forma escrita. É como vos digo, para quem não foi não vale a pena estar a sê-lo, saiam e vão ver concertos se quiserem. Estas linhas têm mais utilidade para quem lá esteve e percebe certamente que o assunto de um curto e excelente concerto esvazia-se na forma descritiva. Agora vou ouvir os Velvet Underground. Até à próxima num festival qualquer.
Promotor – Sabotage Club