Desde cedo aprendi que a espera e a paciência são mais valias e, na maior parte das vezes, as mesmas têm compensado! Falo, em concreto, da espera de 4 anos por um reflexo de luz que viesse de uma navalha. Reflexo esse que nos iluminou no passado dia 19 de Outubro.
Os Keep Razors Sharp são o Afonso (voz e guitarra) Rai (voz e guitarra) Bráulio (Baixo) e o Carlos (bateria) e bebem em muitas fontes, sem nunca estar saciados. Overcome, o mais recente trabalho, é mais limpo, bem delineado e formado de acordo com uma tela translúcida de conhecimento e vontade de manter os pés na terra e as mentes nas várias camadas de atmosfera. Falo de um álbum ligeiramente menos rock’n’roll na sua forma mais crua mas não menos apetecível. Nota-se uma boa maturação de ideias e sentidos, formando algo mas limado, composto e completo. As ondas psych, desert e shoegaze estão bem mais fortes e, acima de tudo, a harmonia de todos os compostos transforma-se em algo denso e envolvente, deixando a vontade de sermos sugados pelo abraço auditivo e sermos guiados onde quer que nos queiram levar.
A viagem de cores tem 10 caminhos e cada um deles transporta um tipo distinto de intensidade. As cores sonoras e visuais são bastante salientes e, por momentos, sentimos uma brisa quente que nos toca por dentro e por fora. Logo na primeira faixa – “Black Rider” – somos brindados com uma intro de acordes simples que se começam a entrelaçar com a outra guitarra, há uma suavidade intrigante e quente que nos envolve terminando com ecos de índios na mente. Logo de seguida, o primeiro single apresentado – “Always and Forever” – apresenta-se como uma faixa orelhuda, densa com a capacidade de criar transtornos diversos com picos de intensidade gritantes. A distorção e o fuzz são inquietantes e entram em nós tão rápido que nos empurram para uma comunhão de texturas e dualidades.
“Let The Storm Rage” actua como se nos quisesse acalmar e remete para um final de tarde numa praia qualquer americana, onde vemos a cor alaranjada reflectir nas ondas tranquilizantes e, ao mesmo tempo, explosivas. Aos poucos sentimos uma cegueira clara derivada dos raios ofuscantes e abanamo-nos sensual e electricamente sem ver, apenas a sentir. De regresso a uma paisagem americana, o ritmo contagiante de “Comedown” acalma-nos da inquietante “Winter Blows”. A música que dá nome ao álbum e, segundo single apresentado, carrega uma melodia intensa e coberta de realidades opostas, encontramos nela algo triste mas aliviante e libertador; uma melancolia bela e um conforto desconcertante.
“Dead On Arrival”, por sua vez, hipnotiza-nos com loops densos e arrebatadores para depois degustarmos a rápida e ofegante “White Glass Panther” com cheiro a adolescência. A viagem termina com a serenidade de “Grey Skies” que nos dá a mão e nos enche de uma melodia de esperança e bem-estar genuinamente libertadora.
De ressalvar o calor do baixo, tão bem conseguido e o rendilhado brilhante das guitarras como contributo mais valioso para a grandiosidade deste álbum.
Um álbum que, se escutado de olhos fechados, nos arrepia, inquieta, satisfaz e aconchega! Overcome foi feito para sentir e, tão bem que sabe!
A viagem pelos sentidos pode ser feita aqui.
Fotografia (capa) – Joana Linda