Mais um Domingo de chuva nesta nossa Lisboa e mais um Domingo onde a ida à missa era indispensável. Não falo da “seita” que está escrita pergaminhos, falo, sim, daquela missa onde o padre está em cima do palco e nos inunda com uma brutalidade de cânticos e abanões que nos faz desejar que sejamos abençoados desta maneira todos os domingos até ao final das nossas vidas. Na verdade se começássemos a semana, pelo menos duas vezes por mês, com uma libertação de corpo e de mente deste género, certamente que a nossa predisposição a lidar com o mundo estaria muito mais polida.
No passado dia 17 de Fevereiro, a Sala Tejo recebeu a última noite de tour europeia de Mutoid Man, Kvelertak e Mastodon naquilo que se mostrou ser uma explosão de densidade, suor e muita agitação corporal.
Eram quase 20h30 quando o trio Mutoid Man subia ao palco a rebentar de euforia. Numa composição simples de guitarra, baixo, bateria e voz os americanos ofereciam uma construção musical densa e repleta de energia, indo o maior louvor para a bateria de Ben que nos mantinha quentes. Foram 8 as faixas tocadas, sendo a maioria do segundo álbum lançado no ano de 2017 – War Moans – e meia hora que serviu para nos ir preparando para o melhor que vinha a seguir e a seguir.
A surpresa vinha com os noruegueses Kvelertak e o estrondo das 3 guitarras que tinham em palco que tão bem dançavam entre elas. Com uma intro bastante suave e cristalina entram em palco os seis elementos que compõem a banda e bastaram uns 2 minutos para me deixarem de queixo caído. Rapidamente os Mutoid Man caíram no esquecimento e dei por mim num transe quase transcendental de satisfação. O corpo estava incontrolável e acompanhou cada acorde durante os 45 minutos de actuação. Por dentro do corpo sentia milhares de explosões, em simultâneo, provocadas pela intensidade de uma verdadeira orquestra de cordas. Kvelertak significa estrangulamento e, na verdade, fomos realmente estrangulados com demasiada adrenalina e poder musical. Ivar, animal de palco, por diversas vezes saltou para o público enquanto cantava e transbordou uma aura de talento e energia inigualável. A música deles, uma espécie de mistura estranha entre heavy metal, punk, rock e algum black metal produzia inexplicavelmente uma dualidade de efeitos que tanto eram de serenidade como de destruição. Passaram por toda a sua discografia, tendo apostado mais no primeiro e segundo álbum – Kverlertak e Meir.
O gosto pelo metal é algo que transcende os seus seguidores. Não há dogmas, preconceitos, pré-conceitos ou qualquer tipo de ideologia. É um gosto que só se percebe quando somos capazes de sentir a magnitude e intensidade de concertos como o de Mastodon. Se Kvelertak me deixou em transe, Mastodon, teve o poder de pegar em mim pela cintura e me levar a viajar por caminhos e labirintos cobertos de potência, fome e veracidade. Depois de um “Singing In The Rain” que encaixou que nem uma luva naquela noite, os Mastodon entraram sem piedade e assim se mantiveram até à meia noite. A voz sólida de Troy entranhou-se em nós e foi difícil a existência de uma separação.
Nesta noite assistimos a uma ode ao metal progressivo com suaves pitadas de sludge num acto de purificação transcendente que nos abanou e nos fez aumentar o prazer em estar vivos. Estes quatro rapazes conseguem fazer magia com riffs corpulentos, densos e complexos e introduzir melodias que nos arrepiam até ao osso e nos fecham os olhos de imediato (porque de olhos fechados a viagem faz-se com mais sabor) fazendo-nos sentir totalmente preenchidos até ao canto mais recôndito. A viagem leva-nos por diferentes caminhos que se unem numa só música que nos absorve por completo deixando-nos sem chão e de alma elevada. Os traços de Heavy fazem com que o pescoço fique a doer no dia a seguir, mas sem qualquer arrependimento pois cada minuto dentro daquela sala contou como 1 dia de rejuvenescimento.
Do último álbum ouvimos apenas 3 faixas tendo a maioria do alinhamento recaído sobre a discografia mais antiga – Remission e Leviathan – existindo sempre um coro que acompanhou os cânticos da missa sem uma única falha do princípio ao fim. O concerto terminou em grande com o clássico “Blood and Thunder” tendo Brann regressado ao palco para anunciar que estavam a gravar e que iam regressar em breve para apresentar o novo álbum.
O cansaço da estrada pouco ou nada se notou e, a verdade, é que nesta noite pudemos libertar todos os nossos demónios e absorver as energias vindas da pureza e enormidade daqueles que sentem e fazem música “sem merdas”.