Ólafur Arnalds é um dos grandes compositores do nosso tempo. Com apenas 32 anos, o produtor islandês tornou-se numa das maiores referências da actualidade e o seu percurso tem sido tudo menos vulgar. Iniciou-se com baterista numa banda de hardcore/metal chamada Fighting Shit e começa a compor por si mesmo quando lhe pediram para compor dois temas para a banda de metal que a sua costumava abrir concertos, Heaven Shall Burn. Com nomes tão sugestivos, a verdade é que o percurso a solo de Ólafur Arnalds invoca tudo menos a agressividade latente nos nomes das bandas pelas quais passou.
Esta história e outras tantas, pudemos ouvir directamente de Ólafur durante o concerto que deu no Coliseu dos Recreios, na passada Quarta-feira dia 13 de Março. Com uma sala muito bem composta e com um público que se adivinhava conhecedor e apaixonado, o concerto começou com alguns minutos de atraso. O silêncio reinou quando as luzes se apagaram e Ólafur entrou em palco para se sentar ao piano. Com o mote de apresentar o seu mais recente disco, re:member, que lançou em Agosto de 2018, a maior parte dos temas tocados pertenceram a esse mesmo disco, mas houve oportunidade de revisitar outros temas, incluindo do belíssimo disco For Now I Am Winter.
E foi precisamente num ambiente que evocava as paisagens gélidas da Islândia que o concerto começou. E aqui começo por destacar um dos elementos mais fundamentais para o sucesso do concerto, que imperou do início ao fim: um belíssimo e magnífico jogo de luzes. A música de Ólafur é, por si mesma, sensível, profunda e catártica, mas existe um acrescendo de intensidade em todos estas dimensões graças à forma como o esquema de luz está montado. Delineado ao pormenor e tendo em conta a sonoridade de cada tema, as luzes tanto transmitiam uma atmosfera mais fria e sonhadora, como nos fazia sentir no meio de um fogo de artifício harmonioso e aconchegante.
A juntar ao músico islandês e às luzes, tínhamos quatro magníficos artistas de cordas e um poderoso percussionista/baterista. Mesmo sendo Ólafur o centro das atenções, a verdade é que ao longo do concerto todo ele deu espaço para os seus músicos crescerem e ganharem protagonismo. Com temas de intricadas texturas electrónicas, com vários sintetizadores à mistura, Ólafur Arnalds acaba por ganhar ao vivo por ter estas componentes orgânicas que ajudam a absorver e a hipnotizar a plateia.
Ainda assim, está-me a faltar descrever um protagonista que acabou por ser o destaque da noite – para o melhor e para o mais…caricato! Os pianos Stratus! Alguma vez viram um piano a tocar, com as teclas a mexer, mas sem nenhuma pessoa a manipulá-las? Pois bem, Ólafur faz-se acompanhar de dois cujo nome devem ao software desenvolvido por ele e pelo seu colega de Kiasmos, Janus Rasmussen. Após um acidente que impossibilitou Ólafur de tocar piano, há um dia que chega a um aeroporto e vê um piano tocar sem qualquer pessoa. Estava ali a sua solução para o seu problema. O que parecia não ter solução foi o facto de os Stratus terem deixado de dar sinais de vida precisamente antes de um tema em que o músico islandês ia precisar deles. Com uma postura notável, o Ólafur foi falando com o público enquanto tentava salvar o resto do concerto, recorrendo muitas vezes a um humor nórdico ao qual as pessoas reagiam com risos e aplausos. Mesmo após uma longa interrupção, finalmente foi possível recuperar os Stratus e o concerto retomou a sua magnitude.
A sensibilidade e a vulnerabilidade são traços fáceis de sentir na música de Ólafur. O que mais me tocou foi o facto de o produtor islandês não só os expor nas suas composições, como também permitir-se expressá-los em si mesmo em vários momentos do concerto. O maior deles todos, talvez, no fim, depois de ficar sozinho em palco. A despedida, depois de uma pausa em que o público fez questão de se ouvir a bom som, fez-se com um tema que compôs dedicado à sua avó, que costumava inventar ter o rádio avariado para que Ólafur fosse ter consigo e ficasse perto de si.
É fácil apaixonarmo-nos por Ólafur Arnalds e as suas composições. Para além da sua genuinidade, existe uma entrega tal, tanto sua como dos músicos que o acompanham, que o arrebatamento não demora. Ainda assim, acho que a sala pecou por um som que não fazia justiça ao que se passava em palco. Sempre que Ólafur se sentava num dos Stratus, o som era demasiado baixo. Com um espectáculo que conta com uma sonoridade tão emocional e com um jogo de luz que nos faz atravessar dimensões, faltou o som ter o nível desejável para que se pudesse considerar uma experiência transcendente.
Remato dizendo que acho que vivemos em tempos muito privilegiados no que toca à composição contemporânea ao piano. Tendo o privilégio de ter visto há pouco tempo Nils Frahm na aula magna, nem consigo imaginar como seria ver os dois num mesmo palco a manifestarem a sua genialidade. Quem sabe, num futuro próximo?