É sempre com alguma dificuldade acrescida escrever sobre uma banda com 32 anos de existência, 12 (fabulosos) álbuns de estúdio no reportório, donos de uma singularidade disruptiva do rock industrial, e ao mesmo tempo que nos acompanhou a adolescência e os picos da nossa juventude. Portugal faz parte do trio de países que os suíços The Young Gods consideram mais fantásticos para tocar, de pare com a Suíça e a Inglaterra.
Esse talvez seja um dos motivos pelo qual vão tendo o cuidado de nos incluir nas suas tours europeias, e claro, também pela ascendência brasileira do seu fundador, Francis José Conceição Leitão Treichler, que lhe dá a vantagem de ter uma maior proximidade com o público português. Francis Treichler, a voz e (a única) guitarra dos veteranos, é também a alma da banda que revolucionou o rock, surpreendendo tudo e todos com a ausência de guitarras e introduzindo riffs em loop e samplers em doses perfeitas.
Uma década que distancia o álbum “Everybody Knows” de “Data Mirage Tangram” (2010 e 2019, Two Gentlemen), e é essa mesma distância que consubstancia as músicas dando-lhes uma estrutura eletrónica quase tribal e dando mais destaque à bateria, colocando-a por vezes na base da sua composição. Foi Data Mirage Tangram Tour 2019 que recebemos no passado domingo e 2ª feira na cidade de Lisboa e do Porto, respectivamente. O trio quase sexagenário, regressou aos palcos portugueses para dizer que o tempo matura e aprimora o que tem (muita) qualidade.
A mesma presença mágica (recordo a sua actuação em 1995 no Festival SBSR), a mesma performance que só os grandes músicos têm (o preciosismo como bandeira) e uns verdadeiros anciãos da estrada (esta tour iniciou em Fevereiro e terminará em Dezembro). Os The Young Gods mergulharam-nos quase duas horas na transcendência sonora do seu ritmo, que é inigualável! O músico Cesare Pizzi que esteve fora da banda entre 1988 e 2012, é um verdadeiro génio dos samplers. Hoje em dia quase todas as bandas têm a electrónica (ritmos samplados) na sua música, mas muitas vezes são uma espécie de “muleta”. Nos The Young Gods os samplers dão corpo e substancia aos temas, tornando-os em autênticas experiências sensoriais melódicas. O baterista Bernard Trontin, que é parte integrante da banda desde 1997, teve uma actuação apoteótica no sentido de ter criado momentos que extravasaram o “muito bom”.
O design de luz no palco foi, do primeiro ao último tema, de uma elegância (no verdadeiro sentido do termo) mágica. Os focos que praticamente estiveram em permanência sobre os três músicos, desenhavam raios de fogo na baqueta de Bernard ou na silhueta de Francis. Nos ritmos mais explosivos, as luzes inflamavam o palco fazendo com que o fundo se movesse em pequenas ondas a preto e branco. Magnifico!
Ao contrário do que aconteceu noutros concertos dos The Young Gods em que diversificaram o alinhamento, desta vez a escolha foi direccionada para o último álbum (que foi tocado na integra), e para os dois encores que rebentaram com o público. Um primeiro encore com quatro hits de rajada, “Kissing in the sun” (Only Heaven, 1995), “Gasoline Man”, “The Knight Dance” e por último o estrondoso “Skinflowers” (T.V. Sky, 1992). Um retorno ao palco com mais dois temas, e desta feita com a surpresa da noite (pelo menos para mim), “Do You Miss Me” do primeiro álbum homónimo de 1987 que fez as delicias da malta mais velha (eu incluída). Terminaram com o tema “Everythem” do mais recente álbum e projectaram a capa no fundo do palco. Depois dos muitos agradecimentos a um público rendido e suado, Francis disse que iria descer e beber “uma cervejinha” connosco. Provavelmente fê-lo com os mais resistentes, porque nós debandámos rapidamente do LAV ainda suados e a transbordar de felicidade!
A primeira parte esteve a cargo dos portugueses She Pleasures Herself que, com muito orgulho, aceitaram o convite dos suíços para estarem com eles em Lisboa (LAV) e no Porto (Hard Club). Preto em napa, em cabedal, correntes e açaimes envoltos nas faces. Cabeleiras loiras, flores vermelhas e uma bateria electrónica escondida por detrás de uma teia cinzenta. Entretiveram o público durante pouco mais de meia hora com ritmos pós-punk saídos de 1980, e deixaram-no agradavelmente surpreendido com o boneco que construíram em palco. Nos concertos é preciso também isto, performances que inquietem e que façam falar a malta.
Galerias completas dos concertos She Pleasures Herself | The Young Gods