Fim de semana de Páscoa, e como me propus a escrever sobre o novo disco dos portugueses Solar Corona, sento-me à frente do computador enquanto o cheiro a batatas fritas e da carne que tosta no forno, “ecoa” mais forte da cozinha. É agradável. Existem trabalhos piores para um fim de tarde de sábado do que ouvir um disco que para começar, à partida não tem letras ou vocais, e é portanto uma viagem instrumental – pelo que deixando de lado o carácter emocional que por vezes novas canções transmitem pela voz ou letras, faz com que eu entre em regime descontraído a ouvir simplesmente a banda a tocar em estúdio, ou o resultado final disso tudo pronto após a mistura, aqui com os créditos de José Arantes e masterização de Chris Hardman.
Não tendo, não tenho que prestar atenção a letras -, é relaxante, para variar. Para ilustrar, segundo a informação recebida, os Solar Corona, são: Rodrigo Carvalho (guitarra e sintetizadores), Peter Carvalho (bateria), José Roberto Gomes (baixo) e Julius Gabriel (saxofone e sintetizadores), e têm já dois EP´s editados. – Ora num Portugal dos pequeninos, ainda assim, se torna difícil conhecer tudo o que se vai produzindo, e tomo conhecimento pelo Press que acompanha esta release, que anda por aqui algum rock progressivo e psicadelismo stoner rock. – E está servida a ementa pascal-musical e é rapidamente que degusto estas seis canções: começando por “Love is Calling“, faixa que começa numa toada doom, ao jeito dos Black Sabbath, com teclados lá ao fundo a acrescentarem ambiente ao clima dark e repetitivo do riff de guitarra.
Começo logo por pensar na maneira como a música evoluiu em Portugal nas últimas décadas. Algo assim tão bem produzido ía custar muito dinheiro a fazer e neste género, sem o advento do digital e das novas tecnologias, ou pelo menos sem o know how que existe agora, é certo. Deixámos a idade da pedra um pouco tarde, mas já começa a compensar ver estes revivalismos modernos. Pelos quatro minutos de faixa, o doom fica para trás e o speed rock (isto existe?) – instala-se até ao final com guitarras e secção rítmica em fúria. Na segunda faixa “Speedway”, o speed continua quase como uma extensão da segunda parte da primeira, e nada de novo, boa execução. E o ritmo continua ainda e com mais novidades no terceiro tema “Rebound”, com um groove acentuadamente mais… hard-rock? – o baixo a marcar ritmo e umas guitarras mesmo hard-rock, mas depois estranhamente e de forma bizarra, e (vou utilizar esta palavra mais vezes, presumo), surpreendentemente a canção entra num prelúdio que se arrasta um pouco por onde se ouve o que parecem ser umas teclas e um tímido saxofone, saxofone este que entretanto explode com um novo alavancar da secção rítmica em que a dinâmica sobe novamente e já nem o ouvinte se lembra de como veio aqui parar. Este tema acaba depois numa – bizarria (lá está…!) e depois, a acalmia – e pareceu-me até agora a melhor faixa do disco.
Mais guitarras a abrir a quarta canção, e tomo consciência de que este disco se aproxima mais do formato EP do que de um álbum, tem seis canções, o máximo para um EP e já vamos na quarta, talvez a duração seja um factor que lhe mude a designação, mas também vejo aqui um fio condutor que faz o ouvinte sentir que está a ouvir um álbum de canções, instrumentais sim, mas com uma coerência de disco completo. Bem, eu também pouco me importam estas designações para lojas de discos, a quarta faixa até tem umas quase vocais, ou quase sussurradas vocais a adornar mais guitarras de bom gosto. Isto soa-me tudo bem, prevejo que este projecto seria uma boa experiência de palco, têm groove estas canções, estas faixas carregadas de guitarras e de ritmos. A quarta faixa “Drive-In”, é perfeita para fazer os vizinhos “estoirarem” os miolos se a passarmos em repeat todos os dias úteis da semana e porque não ao fim de semana também?… a partir das 7 horas da manhã com o volume no máximo.
“Behive”, a quinta faixa é mais uma bizarria noise, pop, elegante, até porque tem novamente aqui o saxofone a dar aquela cor – exacto, aquela elegância que é preciso neste noise em ritmo cavalgado quase à beira do descontrolo.
“Gold Ray”, aqui na versão extended, são 12 minutos de música, finaliza o álbum que quase poderia ser um EP, se não fosse este tema tão longo, que se estende por paisagens à beira da dissonância com novas soluções onde a electrónica dos sintetizadores está por lá sempre discreta, mas que na mistura as guitarras são senhoras e rainhas e conduzem o tema até ao fim embrulhando-se tudo no final em delays e reverberações.
Em suma um rápido resumo: disco a apresentar, para quem como eu não conhecia e não tinha ouvido os trabalhos anteriores – um projecto de Barcelos com uma óbvia vertente live, ou seja, música para ser interpretada em palco, psicadelismo, stoner rock e até uma tímida e disfarçada new wave? – aquele saxofone até me fez lembrar os Roxy Music do primeiro disco. A cama instrumental é que é diferente. O disco é recomendável para um tipo de público que adere a este tipo de movimento psicadélico stoner que se vai instalando pelo país. E investigando bem, estes Solar Corona, já não são uns miúdos e sabem o que fazem. A mim, soube-me bem ouvir nesta Páscoa este “Lightning One”.
Podem escutar aqui um pouco de Lightning One no Bandcamp da editora Lovers & Lollypops.