O corvo voltou à cidade na última semana, e carregou com muitos e bons documentários a secção do IndieMusic. O cinema português está de parabéns, pois o vencedor do Prémio IndieMusic foi o documentário “Batida de Lisboa”, dos realizadores portugueses Rita Maia e Vasco Viana. Mas no que diz respeito a produção nacional, só temos motivos para nos orgulharmos. Em competição com “Batida de Lisboa” esteve “Ela é uma música” de Francisca Marvão, “Ama Romanta – uma utopia que fazia discos” de Vasco Bação e “Um Punk chamado Ribas” de Paulo Antunes. A Música em DX esteve no passado dia 6 de Maio com a Sala Manoel de Oliveira no S. Jorge cheia de amigos e fãs do eterno músico João Ribas. Foi com um enorme prazer que testemunhámos um momento único, a estreia em sala da homenagem cinematográfica a um dos ícones do Punk em Portugal. Quatro anos de trabalho que valeram bem a pena, pois a colaboração das vinte e três pessoas que testemunharam e a excelente prestação no som e fotografia do técnico André Oliveira, deram um bom resultado. Parabéns Paulo!
Em 2013 estava Paulo Antunes num concerto de Tara Perdida e, envolto na aura carismática do vocalista da banda pensou, “a vida do Ribas dava um filme”. E começou seriamente em avançar com um documentário sobre a vida do músico João Ribas. Organizou a entrevista na primeira pessoa, mas não houve tempo. Às vezes a vida é fatalmente isso, não nos dá tempo. A 23 de Março de 2014 as rádios anunciavam que o “ícone” da música Punk em Portugal tinha falecido no hospital devido a complicações respiratórias. Paulo Antunes ficou assim com as muitas e intensas recordações daqueles que mais de perto tiveram a oportunidade de privar, trabalhar ou simplesmente cruzar-se com o punk de Alvalade.
Um quarto dos fundos situado num rés-do-chão no bairro de Alvalade em Lisboa, é o centro nevrálgico de toda a narrativa. O quarto do João Ribas acolheu o nascimento e fez crescer o movimento Punk em Lisboa. Mais do que a sala de ensaios, o rés-do-chão da Avenida de Roma era o conforto, a segurança, a partilha de um grupo de jovens sedentos de Vida e determinados em marcar a história social e cultural do século XX em Portugal. Não fosse o nome do músico aquele que é mais recorrente quando se fala de Punk português, segundo o estudo do “Movimento Punk em Portugal” da socióloga Paula Guerra.
Um sentimento materno incondicional e cúmplice que dá suporte para que todo o movimento ganhe substância e torne Alvalade numa referência musical em Lisboa. A D. Constância é A mãe, a do Ribas e de todos os que lá iam a casa ensaiar, compor, ou simplesmente passar um bocado. O lanche não faltava, nem a opinião honesta sobre a música que por lá se compunha. A cumplicidade com o benjamim (o último de quatro filhos) era evidente. E foi essa cumplicidade que fez manter os rapazes por perto permitindo assim que crescessem na música e com a música, de certa forma protegidos e no conforto do espaço familiar. A D. Constança é referida por praticamente todas as testemunhas do filme.
Esta é a história do Ribas, mas também a do Almendra, do Ruka, do Palitos ou do Tó Trips. É a história dos Kú de Judas, dos Censurados, dos Tara Perdida, mas também a dos Peste & Sida ou dos Mata Ratos. Uma geração inteira que conta a história de um movimento cultural que abanou os alicerces de uma sociedade que ainda se encontrava no rescaldo da revolução dos cravos. A viagem a Berlim do Ribas aparece como um dos momentos que mais o marcaram, e reforçaram ainda mais a sua entrega ao Punk como uma atitude genuína e integra. Aliás as palavras integridade, determinação, lealdade, afecto e carisma foram bastante frequentes ao longo de todo o documentário. Determinado no seu percurso enquanto músico, leal aos seus valores e princípios, integro nas atitudes e opções. Um performer único que nunca deixava ninguém indiferente, talvez a passagem pelas artes cênicas na adolescência tenha ajudado. Afetuoso com os mais próximos e com os outros, aqueles que casualmente se cruzavam no seu caminho mesmo que não fosse com a melhor das intenções. Arrogante ou com mau feitio quando a teimosia falava mais alto, mas inequivocamente genuíno.
Uma recolha exaustiva de elementos fotográficos que narram a realidade em movimentos contínuos que fomentam a vontade de saber mais e ver mais. A destacar o trabalho hercúleo que terá sido na edição das filmagens amadoras e na recuperação do som ao vivo. Boa André! Nesta noite o DJ Billy esteve na Casa Independente a recordar toda a obra do Ribas e dos anos de ouro do Punk rock português. Um agradecimento especial à Sara Cunha e ao IndieLisboa.
Testemunhos: Aurora Pinheiro, Barbara Cabral, Billy, Dina Krasmann, Eduardo Pinela, Eduardo Vaz Marques, Hélio Moreira “Oregos”, Henrique Amaro , Iolanda Batista, Isabel Ribas, João Diogo Ribas, João Pedro Almendra, Maria João, Miguel Gomes, Miguel Newton, Nuno Calado, Orlando Cohen, Paula Guerra, Paulinho “Kamone”, Rui Costa “Ruka”, Samuel Palitos, Teresa Milheiro, Tó Trips.