Há 7 anos nascia aquele que seria o berço do blues em Portugal. Do lado de lá do Tejo, numa pacata freguesia do concelho da Moita dava o mote a um festival, como o próprio se intitula, “onde as raízes do blues se celebram”. A minha estreia na Baixa da Banheira deu-se no passado Sábado, na terceira noite da 8ª edição do festival, segunda esgotada. Não será para menos. Para o amante de blues, o sonho dos festivais, para o pouco conhecedor, uma excelente forma de passar o serão.
No dia 1 de Junho, o Auditório do Fórum Cultural José Manuel Figueiredo, recebeu dois concertos extasiantes e empolgantes, ambos com estreia em Portugal.
Como mote de partida, a vencedora do European Blues Challenge’19, Kyla Brox. Britânica de gema, mas com o blues e a soul no sangue, Kyla trouxe consigo o toque doce e sensual de um vozeirão quente acompanhado de uma guitarra que quase dançava sozinha.
A composição era simples em palco e pouco mais era preciso para se sentir na sua plenitude a essência da música a tocar ao de leve na alma e a embrenhar a plateia nesta aura leve de compassos tranquilos onde cada acorde era saboreado como uma dádiva. O ritmo variava entre o lento e o menos lento trazendo composições que gratificam, na sua maioria a voz e a guitarra. Por vezes o sopro do clarinete e da flauta transversal rompia a atmosfera e cortava aquilo que já entrava numa certa monotonia de harmonia. Presença, entrega e envolvência circulavam ao redor de Kyla e caminhavam na nossa direcção. O blues e a soul entrelaçavam as mãos e o aperitivo, apesar de demasiado longo, saboreou-se lentamente, pouco sabendo nós o terramoto de emoções que estava prestes a vir.
Nick Moss Band trazia Dennis Gruenling consigo e, apesar de ter visto poucos tocadores de harmónica na vida, posso dizer que este é o melhor de todos! De uma das zonas mais fortes no género musical, Chicago, vem Nick Moss e a sua banda de magos. Em cima do palco, guitarra, baixo, teclas, harmónica e bateria e poucos segundos depois de assumirem as suas posições, davam início aquela que seria uma jornada de magia onde a intensidade, o ritmo e o malabarismo nos iam fazer render de imediato. Foram quatro as faixas que foram tocadas de rojo e sem qualquer tempo para pausa. Ali, o tempo sentido, era aquele entre as notas tocadas, o palpável, o que fazia parte da música. Entre estas quatro compridas faixas o tempo não se notou e foi, para nós, uma lufada de ar fresco. Uma bolha que nos prendeu e levou a dançar, ainda que presos a uma cadeira. Uns anos 50 muito bem esgalhados, mas teclas deliciosamente bem trabalhadas uns riffs estridentes e convidativos ao baile, uns lábios e pulmões bem treinados e, acima de tudo, um talento e um bom gosto de génio pisaram aquele palco naquilo que foi um rasgo de tempo demasiado fugaz.
Nick canta afastado do palco e pouco usa a sua voz, talvez porque pouco precise desse instrumento, apesar de não ser algo a desperdiçar, tudo o resto fala mais alto e por si. O calor que saia pelas colunas quase que era palpável e, apesar da rapidez e mestria, de olhos fechados, tudo se sentia a cada momento, cada tempo, cada movimento e cada pensamento. No fundo, foi um concerto com uma dualidade que oscilava entre o rápido e o lento, o feroz e o brando, o explosivo e o ameno numa linha que foi em crescendo até cerca das 00h40. Pouco antes do final do concerto fomos brindados com o momento arrebatador do trio teclas, baixo e bateria em palco onde cada um brilhou com um solo. Nick e Dennis entrariam depois para a última música que terminaria com uma ovação em pé que levaria, depois, a banda a regressar ao palco para um encore de cerca de 20 minutos de divagação suave onde a mente e o corpo se despiram diante de tamanha grandeza.
Assim terminou a terceira noite de BB Blues Fest que, certamente, não deixou ninguém indiferente. O festival continuava no dia a seguir para um picnic durante a tarde.