A cidade de Lisboa teve o privilégio de receber o único concerto em Portugal da banda do extraordinário músico norte-americano Matthew Houck, Phosphorescent. Nasceu em Huntsville, Alabama, há 38 anos. Lançou o seu primeiro álbum em 2003 (“A Hundred Times or More”) e em 2007 o terceiro longa-duração “Pride” que recebeu 8 pontos pela revista americana Pitchfork. Mudou para Nova Iorque onde editou mais três álbuns, entre os quais “Muchacho” em 2013. Mais recentemente Houck mudou para Nashville no Tennessee e lançou o seu mais recente álbum no ano passado, “C’est La Vie”.
Em 2013 esteve em Portugal no Festival Paredes de Coura, a promover o seu último álbum na altura, “Muchacho”, apesar de ter passado um pouco despercebido foi um concerto memorável para quem assistiu. Na 5ª feira passada esteve no Lisboa ao Vivo onde, em termos de quantidade de público não lhe foi feita justiça (a malta foi toda para o Primavera?), mas que em qualidade foi dos melhores que presenciei. Passava pouco mais das 21h30m, quando Matthew Houck e os seus muchachos entraram em palco para o seu último concerto da tour europeia. Cinco anos depois de “Muchacho”, álbum composto no México e envolto num momento introspectivo de quase exorcismo de alma, Houck regressou com “C’est La Vie” um disco cheio de ritmos ecléticos e bafejado de estórias simples do quotidiano de quem o vive feliz.
O 7º álbum de originais foi apresentado na íntegra, tendo diversificado o reportório pelos restantes longa duração, “Aw Come Aw Wry” (2005), “ Pride”, “Here´s to Taking it Easy” (2010) e “Muchacho”. Sui generis seja no som que altera a voz provocando uma espécie de eco “desfiado”, seja nos arranjos sobrepostos na estrutura da melodia, em que da percussão aos teclados tudo está devidamente no seu lugar. Um piano (Scott Stapleton) e teclas (Jon Schornikow) que se destacaram tanto pelo domínio que tinham nas canções, como pela performance extraordinária durante todo o concerto. Scott Stapleton embrulhado nos seus longos cabelos que lhe tapavam o rosto e tocavam no piano, com a mesma energia que os dedos acertavam nas teclas. E do lado oposto do palco Jon Schornikow (que tocou também com Lana Del Rey e The National) numa postura tão circunspecta quanto delicada, fechava os olhos enquanto deixava um ligeiro sorriso preso nos lábios acompanharem os dedos esguios sobre as teclas.
A guitarra de Houck esteve presente na maioria dos temas, destacando-se (a solo) em dois momentos marcantes já no encore, “C’est La Vie N.2” e “Wolves” (CD “Pride”). Uma projecção de luzes magnífica, onde os uivos dos lobos gravados em loop ficaram emersos nos feixes vermelhos sobre a guitarra. E assim permaneceram, num pranto de uivos em lágrimas num palco vazio, “(…) They’re tearing up holes in the house/They’re tearing their claws in the ground / They’re staring with blood in their mouths /Mama they won’t let me out”. Arrepiante.
Ainda na primeira parte, “Joe Tex, These Taming Blues” (CD “Aw Come Aw Wry”) um folk country incrível, que no embalo das teclas nos levou para um cenário de baile de aldeia desterrada no meio do Alabama. “My Beautiful Boy” (CD “C’est La Vie”) dedicada ao seu filho pequeno que teve com a sua companheira e colega, a australiana Jon Schornikow. “Muchachos Tune” embebida numa voz rouca de sofrimento, acompanhada por movimentos convictos de braços, em que a sua mão direita no peito e os olhos semicerrados quase que encheram os nossos de lágrimas. Ainda do mesmo álbum e já no final da primeira parte “Song for Zula”, que muito provavelmente será para muitos a música que melhor identifica Phosphorscent.
Logo depois dos dois solos no encore, a banda juntou-se e pôs o publico a dançar com “New Birth in New England” (CD “C’est La Vie”) acompanhado em uníssono o refrão, “Honey, Don´t I know you?”. Talvez por se ter esquecido da letra do tema que supostamente seria o penúltimo, Mattheu Houck presenteou-nos com mais meia dúzia de canções, entre elas um cover de “Corpus Christi Bay” do músico norte-americano Robert Earl Keen.
Duas dezenas de músicas encheram o Lisboa ao Vivo, duas dezenas de músicas encheram os corações e a alma de quem teve o privilégio de quase privar com Houck. Próximo do público e dos seus músicos, honesto na intensidade das palavras que lhe saiam do fundo das vísceras, como se tudo o que tivesse dentro dele ficasse ali, a levitar em cima daquele palco.