Todos nós, nas pequenas caixas onde vamos aglomerando histórias, estórias e sentimentos, temos uma com espaço suficiente onde caibamos nus, para ninguém nos ver. Um espaço suficientemente grande e escondido onde possamos refugiar-nos de um qualquer mundo e poder mastigar aquilo a que se chama dor. Há seres que não precisam dessa caixa, há seres livres de preconceito que nascem com dons e que conseguem pegar na dor e transformá-la em algo belo e mostrá-la com eloquência a todos os que estiverem preparados para a receber.
Falo do britânico Bill Ryder-Jones que nos visitou na passada terça-feira, dia 11 de Junho. Infelizmente, as pessoas não merecem o leque de coisas boas que Lisboa tem para oferecer, pois não as aproveitam. Este talento tinha a sua espera pouco mais que um terço de MusicBox mas isso não o desanimou, muito pelo contrário!
Bill Ryder-Jones é um compositor que entrou no mundo da música com apenas 13 anos, não é de admirar a descontracção com que assume a sua posição em palco nem o talento estonteante. O seu melhor amigo acompanha-o na guitarra e ele, ao piano, com a delicadeza de quem toca em veludo e a voz delicada e não muito trabalhada, mas profunda, abre a noite com “Mither”. Sem dar tempo a melancolias, dá um corte na ambiência densa com o seu bom sentido de humor britânico como que a contrapor a calmaria com a agitação alegre do público que lhe abriu os braços e o coração. “Wild Roses” aconchega-nos com acordes suaves e básicos na guitarra, dando espaço ao piano para que respire. De seguida, Bill fica sozinho com a guitarra e toca a acarinhada “Don’t Be Scared, I Love You.”. Aqui, sentimos a suavidade cristalina da simplicidade triste e genuína de quem toca com cada pedaço de alma existente dentro de si. Com atenção, podíamos sentir a voz a tremer de emoção e isso, torna tudo ainda mais indivisível e transcendente.
Mais tarde, de regresso às teclas, afirma que aquela música fora a que correu pior no soundcheck. “He Took You In His Arms” trouxe-nos uma tranquilidade que se misturou com um formigueiro ansioso e inquietante ao mesmo tempo que quase conseguíamos sentir, delicadamente, as notas com a ponta dos dedos. “Seabirds” foi tocada só com as cordas da guitarra e afirmou Bill ser a sua melhor música. Nela, de olhos fechados, fiz um passeio num leito de um rio largo, num pequeno barco de madeira, sem remos nem motor. Em pleno outono, árvores de tom castanho e vermelho cobriam a margem do rio e o trajeto fazia-se em direcção a um sol grande que aquecia todas as partes descobertas do corpo de forma ténue e quase transcendente, tal como as notas que me entravam pelos ouvidos. No fundo, foi isto que se passou naquela sala, um misto de passeios, ânsias e sensações que nos reconfortaram de forma libertadora. Uma oferenda de vivências moldadas por uma talentosa, melancólica e harmoniosa alma em forma de música e carícia para outras almas e sentidos.
Aguardamos um regresso Bill e que, da próxima, seja com mais calor humano.