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Tool e um caos deslumbrante

Foi há treze anos que se deu a última passagem dos Tool por Portugal, mais precisamente em 2006. Nessa altura, este que vos escreve ainda nem tinha completado o segundo ciclo de ensino, mas já tinha a banda americana, assim como System of a Down, como bandas de eleição; atualmente foge a sete pés das responsabilidades que a elaboração de uma tese acata.

Treze anos é muito tempo, um período que levou a mil e uma mudanças na vida de um fã de Tool: terminou-se a faculdade, arranjou-se emprego estável, casou-se ou já se tem filhos. Por mais díspares que sejam essas atuais vivências, todas elas se juntaram na passada terça-feira para acolher o regresso de Maynard, Justin, Danny e Adam.

A antecipação era grande: em poucos dias, os bilhetes voaram. O preto era a cor mãe que tingia a extensa tela humana que preenchia a Altice Arena, onde não faltavam homens de barba rija, casais enamorados, moços ‘do metal’ e grupos de amigos com t-shirts a combinar. Independentemente da faixa etária, as quase 20 mil almas presentes na sala personificaram o delírio da típica jovem adolescente quando vê o seu ídolo/a em palco, isto quando os Tool sobem a palco para soltarem o primeiro estoiro da noite, “Ænema”.

Maynard James Keenan cumpre todos os requisitos, isto a nível de look, para se afirmar como frontman de referência: mohawk vermelho e vibrante, pinturas faciais e um casaco de cabedal a puxar quase para o motard. A postura irreverente está lá, mas o estrelato é partilhado; os Tool não querem ser uma banda como as demais, em que os egos berrantes quase que põe fim à coisa. Aqui, o vocalista fica mergulhado na penumbra, sem focos, e ao lado da bateria de Danny Carey e o espectáculo vive das telas e ecrãs que projetam animações que dão vida a canções como “The Pot”, “Schism”, “Parabol” e “Parabola”.

São estas mesmas canções que justificam o porquê do nosso título paradoxal: um caos deslumbrante. Caos, interpretado aqui como balbúrdia e desordem, e deslumbre, no sentido de brilhante ou surpreende, são antíteses uma da outra, mas em Tool andam de mão dada. Numa sonoridade rotulada de metal alternativo, caracterizada pela sua barafunda ruidosa e fulminante, há espaço para nos perdermos de encantos em canções que marcaram a nossa vida, de nos perdermos por reminiscências de um passado em que foi moldando o ser humano que agora somos, e todo seu processo de vitórias e derrotas que lhe é adjacente.

Ao logo de treze anos, todo o fã de Tool cresceu, alcançou vitórias, superou adversidades ou atingiu metas autopropostas; acima de tudo, viveu. E há algo mais deslumbrante do que isso? Especialmente quando se tem conta todas as situações desordeiras que foram ultrapassadas de forma a emergir vencedor? E é isso que torna o verbo ‘viver’ e os Tool sinónimos: em ambos há beleza no meio do feio, e será sempre a primeira a priorizar-se no fim.

Todavia, no meio de toda esta mudança adjacente, há algo que se manteve inalterável, e isso é a sublime qualidade do quarteto que dá a cara a Tool; ora seja pelas notas interpretadas na perfeição por Adam e Justin, a bateria imperial de Danny ou os rasgões vocais de Maynard, tudo o que sai do palco é degustado até ao osso por um público que esteve na mão da banda do início ao fim, inclusive as bancadas onde poucos pregaram lugar sentados no auge que foi “Forty Six & 2”.

Antes do encore, e em jeito de ironia perante o tempo sem meterem pé por Portugal, uma projeção mostra um countdown de um intervalo que duraria… treze minutos. Quando chega aos últimos 10 segundos, celebrados efusivamente como se tratasse de uma passagem de ano, a data para o próximo disco de Tool é projetada: 30 de Agosto. E com ela, ouviu-se novo tema: “CCTrip” (“Descending” e “Intolerance” já tinham sido apresentados).

“Stinkfist” seria o ponto final numa noite há muito aguardada pelos fãs portugueses de Tool. Esperemos não aguardar mais treze anos pelo seu regresso, mas se assim for, lá estaremos novamente para os receber. E com a tese já terminada, espero eu.

Agradecimento especial à musicfest.pt e ao seu fotógrafo João Salema pela cedência das fotografias que compõem esta reportagem.