A noite foi de celebração para os fans dos The Sound em Lisboa. Com efeito, os The Sound foram e são ainda para muito boa gente uma paixão que se redescobre sempre com prazer: tal como uma daquelas histórias de amor que não tiveram um final feliz, tal como a vida de Adrian Borland, que se jogou aos 41 anos para a frente de um comboio. A música dos The Sound oscila entre um grito de desespero ou de sublimação -, no caso de Adrian Borland terá desistido finalmente de se sublimar com a sua música enfrentando corajosamente os seus demónios e dores interiores, até àquele decisivo momento de entrega ao abandono – , um “não posso mais, não quero mais”, que no entanto contrasta com a força das suas letras, dos acordes rasgados da sua guitarra e daquela voz gritada, cantada e emocionada, porque há cantores e há verdadeiros artistas. Há cantores, músicos que nos fazem sentir coisas que vão além das notas da música. São imensas as dores e as alegrias da alma. Portanto, sublimemos, nesta noite tivemos: para além de um documentário (quanto a mim demasiado parado e a certa altura centrado nos problemas de saúde de Borland), tivemos também naquela fria e cinzenta sala que é o Estúdio Time Out, a actuação (que se pretendia) fulgurante e emocionada dos In2TheSound, banda composta pelo baterista Mike Dudley, e por membros da banda The Convent, sendo eles: o vocalista Carlo van Putten, JoJo Brandt, Stefan Bornhorst e Carsten Lienke. Carlo Van Putten tinha participado com Borland na aventura White Rose Transmission, e faz todo o sentido que esta seja a banda que mais se aproxima de recriar, mas não de clonar o trabalho dos The Sound.
No ano passado esgotaram o Hard Club no Porto, e foram vários os relatos do concerto maravilhoso que dera. Assim com as expectativas em alta. Tenho que reconhecer que não me entusiasmei a ver o documentário Walking in the Opposite Direction, embora documental e cinematográfico com testemunhos de figuras centrais na vida de Adrian Borland e na sua carreira nos The Sound… não me caiu muito bem para um sábado à noite.
Podem discordar com toda a razão, mas a sala também não ajudou, demasiado fria e impessoal para a exibição de um documentário que com as poucas imagens da época tem a mais-valia de ser informativo e contextualizado no evento mas que chega a ser demasiado depressivo, centrando-se quanto a mim (especialmente na parte final e dou o desconto porque não vi os primeiros 20 minutos), demasiado na figura de Borland como uma figura com morte anunciada. Claro que estas coisas são mesmo assim, eu vim aqui para ver uma celebração de vida, vida que é, e sempre será música – e foi isso mesmo que aconteceu, pois o concerto dos In2TheSound foi do princípio até ao fim, isso mesmo.
Com efeito, uma grande mais valia: a simpática presença de Carlo Van Putten e a sua voz macia, mas rouca… a boa disposição dos restantes músicos que respeitosamente, mas não cerimoniosamente (graças a Deus), com entrega e não com excessiva solenidade, debitaram assim, contas feitas com os encores, qualquer coisa como dezassete canções dos The Sound em pouco mais de uma hora – foram para além da participação emotiva do público, os pontos chaves para este concerto ter sido muito bom. Não foi perfeito, e isso teria sido mau sinal, foi muito humano no sentido em que estas canções são por exemplo, muitas delas, difíceis de tocar de maneira fidedigna, as linhas de baixo dos The Sound, a secção rítmica em particular não é para qualquer músico que toque nas quatro cordas do baixo se jogar a tocar de maneira desprendida: ouve ali todo um groove (em certos temas) que exige alguma mestria e os riffs aparentemente simples de guitarra exigem foco e concentração. A bateria marcada, que eu no dia seguinte ouvia de novo à hora do jantar em casa de amigos enquanto comentava com algumas palavras o concerto a que tinha assistido na noite anterior, aquela bateria de “New Dark Age”, faixa que ouvíamos à mesa da refeição, rasgada e intensa que tomou também de assalto a audiência neste concerto.
Mas antes tivemos canções como “Fatal Flaw”, “Contact The Fact”, ou “Skeletons”, ou “The Fire” ou “Possession”, para mim pessoalmente o primeiro momento que me arrepiou até ao fundo da espinha foi a melódica “Total Recall”. Carlo ía apresentando as canções, sorrindo para a audiência que embora nesta ocasião em Lisboa estivesse longe de lotar a sala como aconteceu no Porto há uns meses, sorvia tudo o que acontecia em palco e aproveitava assim as maravilhosas canções que iam sento interpretadas. Lembro-me de antes de o concerto começar um amigo comentar que pelo que tinha visto na internet, caso se fechasse os olhos podia-se imaginar que era Adrian a cantar, referindo-se ao timbre de voz de Carlo Van Putten, que eu já conhecia do projecto melódico de cariz indie os Dead Guitars. Não concordo com afirmação em absoluto desse meu amigo, mas atribuo a Carlo o dom de neste projecto trazer o seu timbre afinado mas também gritar com alma as cores da voz de Adrian. Se em “Barrea Alta” tivemos uma interpretação limpa e melódica a respeitar a lindíssima canção de que falamos de alto a baixo, já em “I Can´t Escape Myself”, o guitarrista Jo Jo e restante banda tocaram uma versão mais solta e groovy da coisa, mostrando que há lugar para a descontração mesmo quando se interpreta um “clássico”… mais atrás em “Winning” levaram a audiência igualmente ao rubro. Para segundo encore, uma versão despida de “Winter” com a guitarra de Jo Jo e voz de Carlo, seguida de “Heartland” com a banda toda os teclados em fúria, guitarras e vozes à desgarrada. Uma festa, portanto. Está de parabéns a organização por ter tido a vontade de trazer esta celebração da vida de Adrian Borland e a carreira dos The Sound a Lisboa. Para mim, um evento memorável com a qualidade que a produtora At The Rollercoaster nos tem vindo a habituar, e deveras singular, pois afinal trata-se da música dos enormes The Sound, e neste sábado de Verão, ali no Mercado da Ribeira, fomos felizes.