E tudo depende da bala e da pontaria. Uma pequena citação ao cancioneiro de José Mário Branco mas que é apropriada para apresentar o mais recente concerto do Gilberto Gil em Lisboa, no Centro Cultural de Belém, na passada sexta, dia 19. Sob a premissa do novo álbum, Ok Ok Ok, é uma viagem à vida recente do artista consagrado, em que aborda a política, a vida e também o transcendente.
A rigor para receber um dos maiores nomes da música brasileira, o Grande Auditório do CCB encheu para acolher Gilberto Gil. O baiano, aos 77 anos, já não é um desconhecido dos palcos lisboetas, tendo-se tornado uma presença relativamente habitual, seja a solo ou acompanhado, como aconteceu com o Caetano Veloso em 2015. O Ok Ok Ok foi o grande motivo para a sua vinda e neste caso até foi a forma como começou.
Desde do político Ok Ok Ok, que dá nome ao álbum e que é assumidamente como uma música de intervenção, passando pelos Quatro Pedacinhos, música que é dedicada à médica que cuidou do Gil quando diagnosticaram problemas cardíacos e renais há questão de dois, três anos, ou então o Sereno, tema que tocou antes de interagir com o público.
Embora seja um concerto que tenha muitas músicas novas, também foi uma viagem ao passado. Lembrar de relações, sejam de amizade como de amor. De amizade, destaca-se o momento de homenagem ao vulto maior da Bossa Nova, João Gilberto, que foi homenageado naquele tema que pode ser entendido como um diálogo com Deus, em Se eu quiser falar com Deus. Um daqueles temas que arrancou uma grande ovação de um auditório praticamente (para não dizer totalmente) lotado.
Mas também para lembrar de relações de amor, como o muito famoso Drão, que deu azo ao primeiro grande coro da noite. Aqui nesta fase, Gilberto Gil já tinha deixado de parte a cadeira, e começou a tocar de pé, situação que aconteceu até final do espectáculo e que foi acontecendo em algumas tribunas, ainda que muito timidamente. A vontade de dançar e se mexer ao ritmo de Gilberto é muito maior do que a ordem de ficar preso à cadeira, como mandam as regras.
Depois do Drão, Gilberto Gil aproveitou para convidar a palco Roberta Sá, cantora de voz ímpar que o tem acompanhado ao longo da digressão deste novo registo. Afogamento e Giro foram dois temas que deram conta que como são duas vozes separadas pelo tempo mas que se encaixam perfeitamente. Depois de Roberta surgiu uma outra convidada especial da noite, a sua neta, muito novinha, calculo à volta dos seus 10 anos, para interpretar o Goodbye My Girl. Também com grande ovação por parte de um público já em modo festa.
Que foi o que aconteceu na reta final do concerto e se estendeu ao longo do encore, com temas como Nossa Gente, o Extra ou como terminou o concerto, Toda Menina Baiana.
Gilberto Gil, após sensivelmente duas horas de concerto, prova que ainda está para as andanças com um concerto ímpar, especial e para todos os que tiveram presentes mais tarde recordar. Mas também é a prova da importância e o contributo que o baiano teve na divulgação da cultura brasileira. Um dos vultos maiores da música popular brasileira teve a sua homenagem no CCB. E nós saímos do Grande Auditório de coração satisfeito.