Há muito que já não se consegue contar, pelos dedos das mãos, a quantidade de concertos dos Muse em Portugal. Em nome próprio, teve-se Aulas Magnas, Coliseus ou Estádios do Dragão; no que toca a festivais houve Rock in Rio, Sudoeste, Super Bock Super Rock ou NOS Alive.
Ao longo dos anos, os Muse foram construindo uma bela história de amor com o público português, e a mesma repetiu-se para mais um capítulo, desta feita no Passeio Marítimo de Algés. Para a ocasião, Simulation Theory, oitavo disco de originais dos britânicos, serviu como desculpa para o regresso, e como não poderia deixar de ser, a vasta comunidade de fãs portugueses dos Muse recebeu-os com grande enchente.
Mas já lá vamos. Primeiro, deu-se um outro regresso ao nosso Portugal, um que não acontece com a mesma regularidade do que a banda que decorava metade da indumentária do recinto: o conterrâneo Miles Kane.
Para sempre associado como a outra metade dos Last Shadow Puppets, a par do velho amigo Alex Turner (Arctic Monkeys), Miles Kane veio mostrar que também sabe dar cartas em nome próprio, como “Rearrange” ou “Don’t Forget Who You Are” tão bem comprovaram-no (e soaram-no). Porém, o seu indie rock britânico de 2000 não causou grande impacto numa plateia visivelmente desinteressada e mais ocupada a desfrutar da sua marmita ou a registar a sua presença pelas redes sociais. Nem “Come Closer”, tocada no fim, surtiu qualquer tipo de efeito. Uma pena.
Quando subiram ao palco de Wembley, isto em 2007 e aproveitando a visita para gravarem o belíssimo DVD ao vivo HAARP, os Muse estavam no auge da sua popularidade e criatividade. Até Black Holes and Revelations, o trio britânico não só era das melhores bandas ao vivo, como também eram do melhor que se ouvia na altura. Após The Resistance, a coisa começou a mudar: a sua outrora grandiosa sonoridade perdeu-se para dar lugar a uma com o seu quê de repetitiva e desinspirada, faltando-lhes a capacidade de criar canções capazes de meter recintos inteiros a cantar como “Time is Running Out” ou “Starlight”, com esta última presente na antecedência ao encore.
Em jeito de colmatar este problema, os britânicos passaram a apostar mais do que nunca nas suas atuações ao vivo, tornando-as em verdadeiros espetáculos visuais. Como tal, esta Simulation Theory World Tour apresentou-se como a produção mais ambiciosa que a banda alguma vez tinha assinado, dando uso a todas as tecnologias de ponta que vigoram nos dias de hoje. Se as dimensões do palco assim o acusavam, o arranque ao som de “Algorithm” rapidamente o comprovou, com inúmeros figurantes a protagonizar deslumbrantes coreografias, cujas varetas luminosas relembravam-nos de batalhas Jedi de Star Wars.
As recordações ao clássico de George Lucas eram apenas uma no meio de tantas outras: desde Aliens, Blade Runner, Back to The Future, Close Encounters of the Third Kind ou o mais recente Ready Player One serviram de inspiração a um concerto que ousou quebrar a linha que separa um concerto de uma experiência sci-fi. Para tal, recorreu-se a projeções, jogos de luzes e luminosos figurinos, mas acima de tudo, viveu-se de recordações do passado. E não foi só no olhar.
Mesmo num cancioneiro com os seus altos e baixos, os fãs dos Muse têm a lição dos temas bem estudada, mesmo que temas como “Break It To Me” ou “Propaganda” apontassem mais para um ‘15’ do que propriamente ao ‘20’. Quiçá em jeito de compensação, todo o vasto aparato desta nova tournée focou-se mais nestes novos temas, isto num jeito de prender o público no espetáculo quando não havia “Plug in Baby”, “Supermassive Black Hole” ou “Hysteria” para recorrer a. Dada a forma como foram das mais celebradas da noite, é notório que grande parte do apreço da comunidade de fãs de Muse ainda jaz nos seus primeiros trabalhos, nas ditas recordações do passado.
No meio de todo um cenário futurista repleto de projeções caleidoscópicas, a dinâmica da banda, assim como a irreverência Matt, Chris, e Dominic, será sempre a chave numa atuação de Muse; desde as lanternas de “Madness”, o passeio pelo meio do público em “Mercy” ou o instante shakesperiano de “Take a Bow”, a atitude dos britânicos continua jovem e recomendável.
Já em período de descontos, e na presença do insuflável robô-cadáver Murph a ocupar meio público, “Stockholm Syndrome”, “Assassin”, “Reapers”, “The Handler” e “New Born” são tocadas em jeito de medley, momento onde todos celebraram o passado, presente e futuro dos Muse, mas seria ao som da inconfundível harmónica que antecede a galopante “Knights of Cydonia” que a noite teria o seu fim, isto na companhia de balões gigantes a sobrevoar o público.
Bandeira portuguesa içada a meio do palco, palhetas e baquetas a serem generosamente atiradas para a multidão, palmas e um sentimento enorme de gratidão. Assim se fechou o 15º capítulo da história dos Muse por Portugal. Venha o 16º.