Quando a mudança é arriscada, tentamos fazê-la sempre na companhia dos melhores. O experimento e a experiência tornam-se sempre mais interessantes e emocionalmente completos quando partilhados. Depois de uma complexidade de neurónios juntos que pensaram astutamente em arriscar a mudança dos sentidos e do sentir, partilharam não só entre eles experiências únicas e, sem dúvida inesquecíveis, como decidiram partilhar esse resultado com o mundo. O que venho falar hoje é de uma banda de Barcelos que decidiu colocar um saxofone no meio de um stoner psych intenso e que, passados dois anos, se juntou a três músicos produtores para, com eles, recriar um mundo novo de sonoridades e histórias.
Falo de Black Bombaim e do seu último álbum lançado no passado 8 de Março em co- produção com Jonathan Saldanha (HHY e The Macumbas), Pedro Augusto (Ghuna X e Live Low) e Luís Fernandes (peixe:avião).
Paulo Gonçalves (bateria), Ricardo Miranda (guitarra) e Tojo Rodrigues (baixo) compõem os Black Bombaim e misturam o stoner com o psicadelismo no campo da viagem que nos guia sempre para além fronteiras da mente. A eles juntaram-se mais três rapazes e juntos caminharam pelo campo experimental em três espaços distintos e três frames temporais. Os Black Bombaim, no fundo, foram os instrumentos de Jonathan Saldanha, Pedro Augusto e Luís Fernandes para uma viagem sensorial sobre a evolução da humanidade dividida em três momentos que vai, depois, gerar um documentário a sair no segundo semestre deste ano.
Não sei como será a recriação deste álbum ao vivo, mas em casa, ou com um bom sistema de som ou de phones nos ouvidos o conselho primordial é deixar as pálpebras se tocarem e dar início a um profundo poço de emoções e sensações. A primeira faixa, a mais longa, tem 23:01 minutos, foi produzida por Jonathan Saldanha e apelida-se de “Zone of Resonant Bodies”. Numa sala vazia e escura sentamo-nos à chinês e, sem percepção do espaço e do tempo, sentimos cada ritmo e som a vir de todos os lados. Percussão com delay, simples, arrastada, compassada e penetrante que vai deixando entrar aparições súbitas e subtis de compostos e elementos que deixam de estar isolados para se congregarem entre si, não deixando o desconforto de lado. A estranheza astuta carrega um peso quase mórbido e louco fazendo-nos entrar numa espécie de desassossego causado por um formigueiro interior. A angústia da solidão mistura-se com o conforto do eco denso dos sons na recta final, caminhando em crescendo com ansiedade. Não saindo do lugar, a percussão volta a ter um papel importante. Desta vez como ritmo constante e repetitivo. Entramos em “Three Axes” de Pedro Augusto. A guitarra com distorção vem avisar-nos que o mundo tem coisas bizarras mas a percussão faz-nos manter o corpo bem assente na terra, embora a mente esteja em transe profundo. À nossa volta, algo ondulado circula em crescendo de forma estonteante, há aqui dois riffs distintos: os melódicos e os desconcertantes. Luís Fernandes fica encarregue das duas faixas seguintes, as do meio, as do corpo. “Refraction”, a faixa da distorção onde as guitarras agudas gritam quase sem fôlego em cada canto de nós como duas vozes à nossa volta, uma em cada ouvido. O gongo aparece depois de forma subtil, aumentando o ritmo, acelerando de forma constante como que a tentar influenciar o nosso ritmo cardíaco. Deparamo-nos com uma união e comunhão de sons que se vai tornando cada vez mais intensa e densa. A introdução de sons electrizantes como uma espécie de choques eléctricos na recta final faz-nos sentir uma palpitação espontânea e com estaticidade. A nossa mente e corpo acompanham sempre o que se está a passar na sala à nossa volta! Esta faixa é uma história completa com começo, meio e fim tendo iniciado de modo subtil, aumentando a intensidade de forma nivelada, decrescendo depois lentamente até desaparecer. “20180224”, a segunda faixa do meio e de Luís, entra-nos de rojo no ouvido e abana-nos. Todos os instrumentos são usados em simultâneo e já não sentimos o espaço entre eles. É a primeira faixa do disco em formato canção, algo mais construído, conjugado e espacial com riffs à Pink Floyd. De regresso a Pedro Augusto, “20171216” arranca com um baixo a apresentar o resto dos instrumentos que aparecem todos em uníssono. A música para além de ser mais quente e aconchegante, tem um fundo psicadélico com o seu quê de intrigante que é bastante cativante. Por fim, o homem da introdução e da conclusão que, revela a mestria e sabedoria com que este disco fora montado e construído fazendo sentido do princípio ao fim. “20180415” começa com uma introdução de pratos e um ritmo certo e constante. Sons agudos e distorcidos e camadas de ondas de magnetismo que vai e vem com ritmos que parecem aleatórios, fazendo-me sentir que cada membro do meu corpo se separa e vai um sítio oposto. As camadas constantes repetem-se em formato loop como que a querer enlouquecer-nos de uma maneira deleitosa. A música, apesar de ser a mais pequena, é bastante densa e monstruosa e, ao acabar, faz-nos querer meter play e recomeçar esta viagem pela humanidade e pelos sentidos, de olhos fechados no meio da sala vazia.
Estas últimas três faixas, a meu entender, têm a data de criação no título e revelam já a terceira fase da evolução da humanidade que se sente ao longo do disco em cada partícula e construção sonora.
Não sei como soa ao vivo nem se poderá resultar mas, a verdade, é que este disco é um dos grandes amigos que podemos ter em casa e este trio que ficou sexteto está, uma vez mais, de parabéns!
Este disco pode ser escutado aqui. Boa viagem!