Há muito que a vinda a Portugal dos ingleses Orchestral Manouvres in The Dark (OMD) estava anunciada. O inicio da tour de comemoração dos 40 anos da edição do seu primeiro single, “Electricity“, ficou agendada para Lisboa na Aula Magna (15 de Outubro) e para o Porto na Casa da Música (16 de Outubro).
Quando chegámos à porta da Reitoria vimos uma folha A4 colada na porta, com a informação de que: a pedido dos OMD iria actuar na primeira parte os portugueses Cavaliers of Fun. Tivemos então uma banda portuguesa para fazer o aquecimento de um concerto que estava a criar muitas expectativas. A banda de Ricardo Coelho (ex- Loto) tocaram menos de meia dúzia de temas e deram o ar da sua graça actuando à frente do back line dos sexagenários Orchestral Manoeuvres in the Dark. E foram temas do seu único álbum editado (vencedores da 2ª Edição do Concurso EDP Live Bands) o “ Astral Division”, que tocaram já fora da hora prevista mas com energia e simpatia.
Felizmente que já nos desabituámos dos atrasos nos espectáculos de música (pois em teatro o atraso deve estar relacionado com uma espécie de amuleto…), e que 30 minutos é de facto muito tempo para uma terça-feira de Outubro. Ou seja, estivemos 30 minutos à espera da primeira banda e quase outros 30 à espera de OMD. Muita espera para uma só noite, desculpem lá a sinceridade. E já passava largo das 22h00 quando as luzes intensas vindas do palco nos ofuscaram os olhos e nos prepararam para um intenso e longo momento de synth-pop 80´s.
O fundador e membro permanente da banda, Andy McCluskey, que completou 60 bem vividos anos no passado mês de Junho, demonstrou continuar a ser um stage-man enérgico. Esteve bem acompanhado pelos seus três fiéis companheiros de estrada, sendo provavelmente o mais duradouro o músico Paul Humphrey (teclas e voz) que para além de mestre dos sintetizadores foi e é um maker criativo dos aparelhos electrónicos. Em 1979 Paul e Andy contrariaram as tendências de Liverpool e Manchester da época, e criaram o seu próprio registo musical, sem guitarras e muito synth. Mas quando tocaram pela primeira vez o seu primeiro single no Eric´s Club em Liverpool, “Electricity”, rapidamente passou a ser rotulada de música “punk dos sintetizadores” (entrevista, Rimas & Batidas).
Uma brincadeira de colegas de escola, de putos curiosos pela electrónica (Meols, costa norte de Inglaterra) e por música, a qual culminou num compromisso profissional sério como a assinatura de um contrato de sete discos com a editora Virgin. E foi este percurso de quarenta anos de lealdade ao synth-pop que os OMD quiseram marcar nesta digressão que iniciou em Portugal, precisamente aqui, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa.
Mais uma dúzia de álbuns de estúdio editados, concentrados essencialmente na década de 1980 (quase metade), mas entre 1996 e 2006 a banda fez uma pausa. Em 2010 regressaram com History of Modern, seguido de English Electric (2013) e The Punishment of Luxury em 2017 ano que estiveram no palco do Festival EDP Vilar de Mouros (sem banda).
Contrariamente ao que seria expectável num concerto de comemoração de 40 anos da banda, não foi nenhum dos seus grandes hits de 1980 que abriram a actuação, mas sim um tema do mais recente trabalho – “Isotype” – que entrou de rompante na discoteca móvel em que se iria transformar a Aula Magna. Antes de prosseguirem para “Messages” (este sim um ícone da música electrónica dos OMD com o acorde épico das teclas que muito tem sido plagiado ao longo destes 40 anos), Andy disse que tal como tinham prometido a última vez que estiveram em Portugal, iriam voltar com banda. E bastou um “let´s go dance” para vermos o público deixar as cadeiras e agitar os corpos numa alegria contagiante até ao final do concerto. “Tesla Girls” (Junk Culture, 1984), “History of Modern” (2010) uma música feliz para saltar, “Pandora´s Box” (Sugar Tax, 1991) dentro de uma bola de espelhos, “do you recognized this girl?” que incentivou muitas pessoas a gravarem o momento para a posteridade. Nesta altura já se tinha formado um pequeno grupo de fãs à frente do palco, com quem Andy trocava passos de dança e gestos afectuosos.
Uma ligeira quebra na sound music a qual fizera a maioria do público voltar às cadeiras e regressar ao ano de 1986. O clássico “(Forever) Live and Die” do álbum The Pacific Age que ficou perpetuado pelo seu teledisco (agora designado por vídeoclip), que vezes sem conta passou na tabela dos discos mais vendidos no Reino Unido no programa da MTV Final Count Down. A voz meio tímida e tranquila de Paul, que outrora condizia na perfeição com as linhas claras e bem definidas do seu rosto e os instrumentos de sopro que sempre enriqueceram esta composição, esteve tudo ali naquele palco. Com a ligeira diferença de que no saxofone esteve o músico instrumentista Martin Cooper, e que a voz de Paul Humphrey estava ligeiramente mais sumida e o seu rosto menos definido (a idade é inimiga da perfeição e ainda bem).
Ainda no mesmo mood de matiné, eis que seguiu “Souvenir” (Architecture & Morality, 1981). Um dos maiores hits de OMD onde Paul continuou a dar voz ao slow que marcou a geração dos 80´s e que, muito provavelmente, terá sido uma das músicas (românticas) mais ouvidas em todo o mundo. Os técnicos de luz estiveram de parabéns, conseguiram fazer um cenário perfeito naquele majestoso (literalmente) palco. Luzes verdes apontadas para os músicos com um quê de sedução e romantismo; quem é que nunca dançou “Souvenir” à média luz, num sótão de uma festa de aniversário um/a colega de liceu? E enquanto Paul fazia as delícias daquele que seria o segundo momento revivalista da noite, Andy McCluskey saltou para cima da bateria provocando Stuart Kershaw (baterista) num movimento de braços. “Souvenir” sou-nos exactamente da mesma forma como a ouvimos a primeira vez, naquele single que adquirido com o dinheiro que recebemos no Natal.
Na continuação do mesmo álbum, Architecture & Morality, “Joan of Arc” num registo um pouco mais acelerado que o original e onde se notou muito ao de leve um rock-pop, que encaixou lindamente na antecipação da viragem de ritmo do concerto. E “Joan of Arc (Maid of Orleans)” um dos momentos mais sérios da noite em que se manifestou naquele bater repetido da bateria num ritmo de marcha (que poderia ser a da comemoração do dia da Rainha, da Isabel ou outra qualquer), que na verdade conseguiu tocar no lado mais nostálgico do público que aplaudiu em ovação a banda de sua majestade.
De repente a configuração do back line alterou-se, ficando reduzida a dois pequenos pianos e uma bateria electrónica. Os quatro músicos posicionaram-se em linha recta por detrás dos instrumentos e maior dimensão, mantendo-se Andy apenas com o microfone. “Statues” (Organisation,1980) e “Almost” (OMD, 1980)que nos fez mergulhar num momento mais introspectivo, mas logo a seguir o público saltou novamente das cadeiras para não mais se voltar a sentar. O mais recente e 40º single da banda, “Dont Go”, que se encontra na colectânea de singles (Souvenir) lançada no passado dia 4 de Outubro, e para o qual Andy nos pediu para lhe desejarmos sorte. Esta seria a primeira vez que iriam toca-lo ao vivo e correu bem. Prosseguiram nos singles mas desta vez com os lados B, “So in Love” (Crush, 1985 e colectânea Navigation: The OMD B Sides 2001). E mais dança com The Punishment of Luxury, uma sátira à sociedade de consumo de futilidades e estimulantes químicos:” Close your eyes and shut your mouth (…)”, e de repente o grupo da frente de palco começou a fazer um comboio.“Dreaming” (Souvenir, 2019) onde as luzes vermelhas e amarelas destacaram os símbolos monárquicos inscritos nas colunas de pano no penduradas no palco. E em “Locomotion” (Junk Culture,1984) já tinham regressado para os instrumentos iniciais, fazendo um ligeiro desvio em “Sailing on the Seven Seas” (Sugar Tax, 1991), em que os ritmos pop-folk assinalaram a sua presença singular na noite e na discografia de OMD.
Os acordes de “Enola Gay” são icônicos na música pop, sendo este um dos temas mais tocados nas discotecas em toda a Europa e, seguramente, marcou as gerações dos anos 1980 e 1990. Single de 1980 do álbum Organisation “Enola Gay” é uma canção anti-guerra, que nos remete para um período critico da história da humanidade, o horror dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki. Escusado será dizer o quanto o público se entusiasmou com esta música que iria ser a última da noite. Depois das despedidas, a banda retirou-se do palco e aquele acorde emblemático ficou a pairar na sala e nas nossas cabeças até ao regresso dos músicos para o composto encore. “Ainda faltam 3” dizia alguém que estava sentado ao meu lado, e foram mesmo essas que fecharam o primeiro concerto da tour dos 40 anos de OMD: “If You Leave” (Pretty in Pink, 1986), “Secret” (Crush, 1985) e, tal como Andy McCluskey nos disse na derradeira despedida, ” Acabamos como começámos há 40 anos atrás, com “Electricity” e a Factory Records.
Neste concerto os Orchestral Manouvres in the Dark demonstraram que são intemporais, e que apesar da vulgarização dos sintetizadores nos dias de hoje, conseguem acompanhar os tempos deixando a sua forte presença de banda synth-pop marcada nos palcos. Demonstraram também um orgulho enorme em estarem a comemorar 40 anos de banda e de amizade. Pela qualidade do som, do trabalho perfeito de luzes, dos curtos e despercebidos momentos de trocas de instrumentos, das palavras cúmplices que foram trocando entre eles e eles e o público e, não menos importante, pela escolha do alinhamento, esta é definitivamente uma das melhores tours dos “electrizantes” OMD. Parabéns pelos 40 anos!