Mark Lanegan esteve em Portugal na passada semana para dois concertos em Lisboa e no Porto. A tour europeia que teve início a 24 de outubro no país vizinho, integra a promoção do último álbum em nome próprio, intitulado Somebody´s Knocking. Apesar do lançamento deste último trabalho ser muito recente (18 de outubro), os fans deste que é uma lenda viva do grunge de Seattle, estiveram à altura e acompanharam com entusiasmo e dedicação os mais de vinte temas que aqueceram a sala do Lisboa ao Vivo na noite de 30 de outubro.
Mas antes do norte-americano da voz rouca e envolvente subir ao palco, Simon Bonney, músico canta-autor australiano entreteve a sala ao longo de meia hora. Para além da guitarra acústica, Simon Bonney fez-se acompanhar por uma sua conterrânea que se encarregou do violino e da back-vocal. O momento alto desta actuação foi a história do seu irmão, também ele músico, que viveu em Berlim e morreu há dez anos atrás. Com o som gravado, a violinista cantou uma música que o seu irmão compusera.
A discografia de Mark Lanegan é imensa, sendo os onze álbuns a solo editados nas últimas duas décadas uma parte do seu trabalho. Colaborações são mais que muitas (Massive Attack, Warpaint) e até a banda portuguesa Dead Combo teve o privilégio de o ter no seu último CD, “Odeon Hotel” (2018). E não foi por acaso que ambos os guitarristas (Tó Trips e Pedro Gonçalves) marcaram presença neste concerto
“Somebody´s Knocking” esteve cuidadosamente no alinhamento e foi tocado praticamente na íntegra, o arranque foi precisamente com “Disbelief Suspension” e “Letter Never Sent”. Apesar dos onze álbuns de estúdio, Mark Lanegan e a sua banda optaram por integrar nos concertos desta tour todos os trabalhos a partir de “Bubblegum” (2004), caso do(s) dueto(s) com PJ Harvey, “Hit the City” aqui substituída pela voz delicada da teclista. Por sinal, como correu tão bem o primeiro, repetiram o feito num duo arrebatadoramente romântico no encore, com o lindíssimo tema “Come to me”.
Um outro momento alto da noite foi a interpretação magnífica de “Stitch It Up” (Somebody´s Knocking), ainda na primeira metade da noite em que se seguiram uns acordes fugazes da guitarra de Jeff Fielder do tema “I Know, I alone” de Dead Combo. Numa trepidação intensa e num sussurrar destemidamente enfeitiçado, Mark Lanegan não nos deu tréguas e rebentou-nos no peito com “Beehive” (Gargoyle, 2017), “Bleeding Muddy Water” (Blues Funeral, 2012) e a avassaladora “Deepest Shade” (Imitations, 2013).
Nos intervalos das músicas pouco mais ouvimos do que um thank you sumido no meio da sua rouquidão e uns goles de Red Bull para a adocicar. Destaque para a cumplicidade com o extraordinário guitarrista Jeff Fielder que, em certos momentos, ninguém conseguiu desviar o olhar daquela que foi a dança de cordas mais sublime dos últimos tempos. De cortar a respiração, que músico!
Apesar do cuidado de pintalgar o alinhamento dando-lhe substância para vários gostos, a noite teve dois momentos distintos. Uma segunda parte, onde “Ode to Sade Disco” (Blues Funeral, 2012) poderia bem ter sido responsável por essa divisão. Um desvio para as teclas e a percussão, onde até houve espaço para um pedal de mão (baixista) em “Dark Disco Jag”. Um registo a cheirar mais ao pós-punk dos anos 1980, onde os sintetizadores floresceram no meio dos acordes mais nostálgicos da guitarra-baixo ou um grunge em que a guitarra teve e tem a primazia de toda e qualquer composição? É pouco importante dar uma resposta, pois seria tendencialmente intrínseca ao nosso próprio gosto. E Mark Lanegan consegue a proeza de tocar em vários moods, para vários públicos sem nunca desvirtuar o seu legado de rocker integro e atento.
No final do concerto pudemos beber uma cerveja e partilhar dois dedos de conversa com o próprio Mark Lanegan e o resto da banda. Uma rouquidão seca que se transforma num ronronar ao ouvido e que nos vicia, uma e outra vez.