No dia 1 de Novembro fomos ao Sabotage assistir ao anunciado concerto de Sieben com primeira parte dos ,, e se na primeira parte temos uma recomendável banda com membros dos Cello ou Raindogs, enfim, nomes recomendáveis da cena indie dos anos 90 quando a música portuguesa ou feita em Portugal parecia levar um boom com o interesse das rádios renovado – coisa que durou pouco – mas que era de um interesse genuíno.
No headliner desta noite, um nome quase desconhecido por cá excepto para os mais atentos, cujo altar-ego esconde o inglês Matt Howden, virtuoso no violino que como viríamos a descobrir é realmente um ‘homem-orquestra’ em palco.
O Sabotage, como sempre, é porto seguro da atribulada movida na zona do Cais do Sodré e é uma plateia simpática que recebe os The Manchesters para cerca de 45 minutos de uma enérgica actuação deste quinteto nacional. O som, como é apanágio neste clube estava muito bom e os músicos entregaram os bens necessários, ou seja, as canções. Pudemos nesta noite confirmar que são um grupo bem oleado, onde o vocalista Francisco Florentino, cordas vocais e energia (entregam tudo em palco), a bateria admirável de Emanuel Ramalho com o baixo macio e certeiro de Pedro Temporão, são a base rítmica acentuada da coisa para acolher as texturas que os teclados de Alexandre Vermelho e as guitarras de Luis Ferreira entrelaçam num intricado jogo de arranjos entre os dois que dão a estas canções. Foram cerca de dez as canções, e eu que que já tinha ouvido algum do trabalho de estúdio da banda, fiquei surpreendido com este set onde: “Foling Around”, “Camouflage Helicopters”, ou mais tarde “Seven Days” (com Matt Howden no violino), transmitiram uma energia e um clima de festa com os músicos bem dispostos a trocarem sorrisos entre si e a contagiarem a audiência com um clima de festa. Sou agora dono do mais recente EP Seven Days, que antevê um primeiro álbum deste grupo a ser gravado em breve.
O inglês Matt Howden instalou então o seu set e rapidamente iniciou o concerto ‘homem-orquestra’ em nome de Sieben com “Crumbs”, tema ácido nas letras, onde o som ainda não estava de feição, ainda o artista se acomodava ao seu lugar no palco entre as loop boxes e restantes pedais os micros de que tinha de fazer uso para conseguir este som magistral, esta orquestração onde fazendo ‘usos’ de todos os sons que ‘arrancava’ do violino, fosse com o aro ou com um acorde repercutido com os dedos, sons vocais a fazer o papel de ritmos – tudo muito bem estruturado para então entrar a sua voz de um timbre agradável, simpático como ele, o interprete é, mas muito intervencionista e contestatário na maneira de cantar. Existe ali punk – sim, existe ali um espírito inquieto na maneira como canta: <<you want crumbs from the rich man’s table>>. Mais tarde, ouvindo “Kickstart The Empire”, tema do mais recente trabalho e que dá nome ao mesmo, percebemos essa atitude critica e contestatária. Mas não é só dessa contestação que vive a música de Sieben, a espiritualidade de “Ogham The Sun” com o verso a dizer… <<…With the sun divine sprang a single word the sun divine to light our way…>> aos ritmos celtas e o violino sublime de resto em todas as canções, e o instrumento é usado de forma arrepiante quando Matt vem ter com a audiência e enquanto tomo notas deparo-me com ele à minha frente a tocar como se lhe rasgasse a alma, momento que se repetiu por mais algumas vezes.
No final de um concerto de uma hora (que certamente teríamos ouvido mais), chamou ao palco a violinista portuguesa Maria Côrte (que já a tínhamos ouvido a acompanhar os A Jigsaw no Lisboa Ao Vivo (LAV) faz uns poucos meses na primeira parte de Madrugada), para quem que com a junção de mais um violino se viu o deslumbre sonoro ‘homem-orquestra’, ser completo.
Noite singular e fantástica digo eu pois saímos bem-dispostos e elevados, depois do indie rock dos The Manchesters e da deslumbrante prestação de Sieben, ao sairmos do Sabotage percorrermos as ruas do Cais do Sodré até Santos e pareceu-nos termos saído de um outro mundo, um mundo que está ali à parte, à parte do barulho dos copos e dos imensos ajuntamentos de multidão entrando de bar em bar ou na rua, ouvindo música descaracterizada num imenso remoinho sem sentido. Sentimos-nos uns privilegiados sabedores de um segredo que estes restantes ignoram. Espero que a Câmara Municipal de Lisboa tenha o bom senso de deixar que espaços como o Sabotage, cada vez mais raros, onde se privilegia a cultura, sobrevivam e que compreenda a importância dos mesmos. Caso contrário, esta Lisboa de ruas web ‘sumatizadas’ de bares e de hotéis só para turistas e adolescentes vaguearem sem rumo, não é a minha Lisboa, não é a Lisboa de ninguém.