Fernando Pessoa poetizava que a “vida era efémera“. E a razão estava do seu lado. A velocidade com que o tempo passa por nós tanto é estonteante como assustadora; se ontem se era uma criança, hoje já se entrou na fase adulta e o amanhã tanto pode acatar casório, descendência ou o término de tudo isto.
Pegue-se no exemplo da juventude que cresceu na década de 90. Vítima do inevitável passar do tempo, a miudagem que outrora tinha as calças de bombazine e o casaco de ganga como roupa de eleição, cresceu , assentou ou criou família. Mesmo com a mocidade deixada para trás, as reminiscências desse tempo que já lá vai, assim como as paixões aí vividas, mantêm-se intactas. Para esta geração, e musicalmente falando, não houve amor maior na música portuguesa do que os Ornatos Violeta.
Depois de chegados a vias de facto, a banda sonora da década de 90 embarcou por outros projetos musicais, mas o legado dos Ornatos Violeta, isto é, a de banda portuguesa mais bem sucedida no final do último milénio, ninguém lhes tira. Dois discos, Cão e O Monstro Precisa de Amigos, foi tudo o que bastou para a banda do Porto se tornar num fenómeno intergeracional, gozando de um fenómeno sem procedentes na música portuguesa. Esse último, que data de 1999, celebrou duas décadas este ano, pretexto perfeito para marcar o regressa da banda ao ativo para uma pequena tournée de celebração a esse mítico disco.
Tal como seria expectável, a adesão para o acontecimento foi foi concorrida, contando-se pelos dedos das mãos os lugares vazios do Campo Pequeno; muitos ansiavam por este momento, tanto repetentes como estreantes. O sonho de (re)viver alguns dos mais marcantes clássicos no cancioneiro da música portuguesa tinha finalmente chegado, e no preciso momento em que o central palco 360º acolhe Manel Cruz, Kinorm, Nuno Prata, Peixe e Elísio Donas, o êxtase demonstrado pela sala foi, na falta de melhores palavras para descrever o momento, arrepiante.
Tal como acontece em disco, o primeiro vestígio d’O Monstro veio ao som de “Tanque”, apesar de o pontapé de saída ter surgido com “Como Afundar”, pérola do nunca lançado terceiro disco. O Monstro Precisa de Amigos é um trabalho tão icónico e estimado, onde todas as canções são igualmente memoráveis e cuja experiência de escuta exige ser feita num todo. Mas as iniciais “Pára de Olhar Para Mim” e “Para Nunca Mais Mentir” pouco efeito surtiram numa tímida plateia. A cura para esse mal veio numa precoce “Ouvi Dizer” que, para além da sua capacidade de meter dez mil almas a cantar em uníssono, conseguiu despertar o público e deixá-los completamente à mercê dos Ornatos Violeta.
A partir daí, viveu-se um ambiente festivo do início ao fim, ou não fosse a ocasião de celebração para com o legado dos Ornatos Violeta. Mesmo já despidos de um dos seus principais cartões de visita, o serão de canções que se seguiu foi (quase) sempre recebido em êxtase, desde os principais pontos altos d’O Monstro, como “Chaga” e “Capitão Romance” a serem entoadas do início ao fim, ou até a nostalgia melancólica de “Devagar”. Pelo meio, houve ainda tempo para um misto entre ambas, com “Coisas” a protagonizar um dos mais marcantes momentos da noite, onde às lanternas dos telemóveis se juntou a companhia do último murmúrio da canção – “eu estou bem, quase tão bem” – repetido vezes e vezes sem conta, quase em jeito de agradecimento a todas as lembranças proporcionadas pela banda.
O carinho colhido pelos Ornatos Violeta, e no caso de um palco 360 faz sentido dizer que veio por todos os lados, seria apenas rivalizado pelo enorme contentamento e felicidade da banda em estar novamente junta; a troca de sorrisos entre canções enchia o coração de qualquer fã. E se nesses corações ainda sobrava qualquer tipo de energia, o desfecho ao som de “Dia Mau” sugou todas as que restavam, num final em grande, mas de sabor agridoce, ou não significasse o final desta ansiada noite.
Não o foi, claro, ou não tivesse este concerto sido merecedor de um encore encabeçado por “Dama do Sinal” e “Final da Canção”. Mas esta nunca terá um final; não pelos dois próximos encores que se seguiram, com especial atenção para “Punk Moda Funk” e “Raquel”, mas sim pelo lugar que os Ornatos Violeta cimentaram no coração da (para sempre) juventude portuguesa. Para esta, o final da canção nunca chegará.