Há noites em que somos movidos pela curiosidade. A curiosidade de conhecer, ver e ouvir ao vivo algo de que gostamos ou que já vimos andar pelas bocas do mundo. Há, também, noites em que a surpresa pende para dois lados opostos: o positivo e o negativo.
A passada terça-feira, dia 10 de Dezembro, para além do frio, trouxe consigo a passagem da tour de Ghost em Portugal acompanhados por Tribulation e All Them Witches. Olhando para este line up percebe-se que a noite iria basear-se num triângulo com vértices distintos e afastados.
A surpresa neutra veio com a banda mais pesada da noite que, curiosamente, abriu o palco da Sala Tejo da Altice Arena. Os Tribulation tinham incenso a aromatizar o palco e um cenário embaciado de fumo que envolvia caras pintadas e uma atmosfera densa. Os suecos dançavam entre si ao som dos riffs aguçados que produziam. As guitarras cantavam roçavam o heavy metal e a voz poderosa, agressiva e, ao mesmo tempo, poética roçava o gótico ou até, o death metal, indo às suas raízes. A combinação entre instrumental e voz resulta num cruzamento entre o encantado e o gore, a melancolia e a exuberância. O último trabalho da banda, Down Below, lançado no ano passado, esteve presente na maioria do alinhamento começando com “Nightbound”. A encerrar 40 minutos de adrenalina e danças obscuras, “Strange Gateways Beckon” de “The Children Of The Night” e um profundo agradecimento.
A surpresa da noite foi aquela que, instrumentalmente, mais se afastava daquela tour. Os All Them Witches para além da performance brilhante, entraram para ficar na mente e ouvidos de muitos dos presentes. “War Pigs” de Black Sabbath aparece de fundo e introduz este, agora, trio americano. Mal começou “Funeral For A Great Drunken Bird” os olhos ganharam uma força gravitacional poderosa e cerraram-se de imediato. Começa aqui aquela que é uma viagem por um stoner denso e reconfortante. Pelo caminho, Charles não canta, declama e conta histórias com uma voz meio rouca, meio longe, mas nunca afastada, penetrando em nós como um nervo que inflama.
Por vezes o baixo fugia para o grunge e a dimensão aumentava. Tudo era tocado com o maior brio e sapiência e o baterista tinha um dom de mãos enquanto que o baixo, em vez de catalizar, desnorteava-nos, na maioria das vezes. O loop de “1×1” mantinha-se no tempo e fazia-nos entrar num ritual espiritual de confronto mental. Já “Diamond” fazia-nos caminhar lentamente pelo asfalto numa noite iluminada por uma lua que já estava a ficar cheia, à qual vamos de encontro.
Neste momento que passou rápido demais, tudo era envolto num magnetismo profundo de encantamento, ficando a guitarra a ecoar na nossa mente como se estivesse a varrer tudo o que havia para varrer. Se houver bruxas, elas iam gostar de dançar embrulhadas nestas cordas e a tocar com a ponta dos dedos as chamas de uma fogueira!
Voltamos à realidade para aquela que seria a surpresa negativa da noite. Depois de uma intensidade daquela que os ATW nos ofereceram, tudo o que menos apetecia seria o fogo de artifício demasiado artificial dos Ghost. A curiosidade em ver estes senhores ao vivo sempre fora grande, mas nunca os meus olhos pensaram ver o que viram naquelas quase 2 horas.
“Klara stjärnor” de Jan Johansson e “Miserere mei, Deus” de Gergorio Allegri faziam levantar o pano de modo celestial para ficarmos frente a uma catedral. Cenário digno de elogios ínfimos, deixando qualquer um de boca aberta. Em palco, 7 apóstolos tomavam as suas posições para aguardar a entrada em modo joker de Tobias Forge. O instrumental, limpo, polido e extremamente bem feito, enchia-nos o peito e empurrava-nos contra a parede. A explosão sonora era grande e a visual também. Tobias dono de uma voz vulgar e de mau gosto na dança, encenava passos e trocava o microfone de mão como se de um artista pimba se tratasse. Um leque de fãs gigante entoava cada música do princípio ao fim com uma entrega pura e genuína. Os guitarristas de solos fazem um duelo com “Devil Church” e o aborrecimento começa a ganhar cor. Há egos que não deviam ser revelados e todo aquele palco revelou ter um dos grandes, ou 8 em separado. O heavy rock não combina com aquele espalhafato pouco genuíno, não combina com acrobacias, pedir aplausos constantemente nem com uma passerelle de cores fortes e alegres. Apesar de algumas músicas soarem a heavy pop, podia ser um espectáculo mais tolerado se não olhasse para o palco. Gostos à parte, os Ghost têm um enorme talento musical, construindo algo com mestria e sabedoria no entanto, há concertos que não devíamos ver, só ouvir (e ainda assim, não tudo). A produção estraga a emoção e o ego, a ilusão.
Confetis, pirotecnia, explosões de fogo, truques de circo, mil trajes, soutiens em palco e peneiras extremas cortaram-me, pessoalmente, a vontade de ver o concerto até ao fim que fiz, cada vez mais desmotivada e com a certeza que ali em cima não havia a atitude certa. O concerto passou pela discografia toda da banda, terminando com os êxitos “Kiss The Go-Goat”, “Dance Macabre” e “Square Hammer”. Objectivamente, por tudo o que me envolvia, diria que foi um excelente concerto. Subjectivamente, nunca o recomendaria a um amante de rock.
Nesta missa, o vinho não era sangue mas sim azeite e o exagero transformou-se em altar.