“Adoramos tocar em Portugal. Lisboa é uma cidade linda e histórica. Adoro vir cá passar férias, mas hoje está frio. Aceitam cantar connosco para nos aquecermos um pouco?”
Quando um artista faz uma tirada tão afetiva para com uma cidade, é prova do laço especial que se formou entre a última com a banda. E os Keane cimentaram, ao longo dos anos, um enorme carinho por Lisboa. Porém, foram precisos esperar sete longos anos para matar a saudade crescente, mas quando a ocasião surgiu para a cidade menina e moça, o Campo Pequeno não foi de moda e encheu para saudar os seus velhos amigos.
E para se dizer a verdade, é quase um caso de estudo. Depois do ímpeto dos estreantes Hopes and Fears e Under The Iron Sea, discos que puseram os Keane na berra do mundo pop, os ingleses chegaram à nova década anos luz do ímpeto radiofónico que gozavam outrora. Mesmo que as luzes da ribalta tenham ofuscado, o recente Cause and Effect não teve problemas em esgotar a segunda maior sala de espetáculos da capital; desde pais a filhos, a amostra de público primava pela heterogeneidade, sendo palpável a antecipação pelo regresso da banda à última sala que os acolheu em Lisboa.
Pouco passavam das oito da noite, altura em que as filas pareciam não ter fim, e já se ouvia música pela Campo Pequeno pela voz de Eliza Shaddad, mas o tempo das filas e a hora do jantar tiraram-nos a oportunidade de escrever sobre a mesma. Diz-se que foi bom, mas voltemos a Keane.
Saudados por uma chuva de palmas como verdadeiros heróis, as mesmas mantiveram-se em uníssono para acompanhar os ritmos da inicial “You’re Not Home”, com “Day Will Come” e “Silenced by the Night” a assinalarem uma verdadeira entrada de rompante. Todavia, foi através de “Everybody’s Changing”, caloroso single de Hopes and Fears, que o Campo Pequeno seguiu o conselho de Chaplin em cantar para aquecer a noite, com “Is It Any Wonder?” a seguir-lhe caminho. Não que fosse preciso, todavia, ou não tivesse o entusiasmo tipicamente português ficado encarregue de criar o dito ambiente solarengo.
Ao longo de duas horas que esvoaçaram depressa demais, os Keane mostraram aquilo de melhor e mais sólido existe no seu repertório, com um claro destaque para “Bad Dream” ou “This is The Last Time”. Mas sejamos francos: os tempos áureos de glória já lá vão e dificilmente voltarão. Consequentemente, muitas das novas canções soaram insípidas e algo repetitivas, aquilo que na gíria comum dá pelo nome de ‘encher chouriços’. E o segundo terço da noite teve forte cheiro a enchidos, mesmo quando a célebre “Nothing in My Way” ou a comunicativa “Spiralling” ousaram ser ambientadores.
Nesses momentos, em que as letras ficavam presas na garganta ou, no caso das mais recentes pertencentes a Cause and Effect, mal chegaram a entrar, houve sempre um comunicativo e bem-disposto Chaplin a puxar pela plateia, ora fosse entre histórias – “apesar dos tempos difíceis, estamos vivos, estamos aqui, e é isso que é importante” – ou a fazer jogos de voz que seriam replicados na íntegra por grande parte do Campo Pequeno. E nisto disto dos concertos, quando o artista está tão contente por estar ali como o público que o pagou para ver, não há forma de a coisa não resultar.
Para o fim, e sem qualquer tipo de surpresa, ouviu-se o Santo Graal dos Keane e uma das melhores baladas compostas neste século: “Somewhere Only We Know”. Não nos admirávamos se existisse uma quantidade significativa de público que tivesse pagado bilhete só para ouvir este tema ao vivo. E não os censuramos; ainda hoje, arrepia tanto como da primeira vez, mexe connosco como da primeira vez e deixa-nos de sorriso no rosto independente das vezes que se ouça.
E assim ficou Lisboa: emocionada, nostálgica e em voz uníssona, sentindo todos os versos que foram cantados em jeito de dueto com Chaplin, como quem quer iluminar o caminho de regresso para esse sítio que só cada um conhece. E com os Keane, aí ser-se-á sempre feliz.