Foi a última quinta-feira do longo, cinzento e chuvoso mês de Janeiro. Dia de concerto no Sabotage Club e também de frio, chuva e vento! Deixámos as mantas no sofá, calçámos as botas e descemos até ao Cais Sodré já passava das 23h00.
“Se a coragem fosse deixar de ter medo, era mais fácil avançar. Se a coragem não fosse deixar de ter medo, era tão mais fácil confrontar”. Tocam como se não houvesse amanhã e este fosse o último concerto das suas vidas. Algumacena é mais do que dois excelentes músicos a exorcizarem os males das injustiças sociais, é um expurgar com sentido e um arrojo musical. Misturam um ligeiro ritmo de hip hop na dança do Rock e levam tudo ao limite. Destaco a qualidade do som nesta noite, o qual permitiu evidenciar os agudos certeiros e limpos do Alex, mesmo com todos os apetrechos adicionais de voz.
Cúmplices na composição e na entrega, Alex D’Alva Teixeira e Ricardo Martins fazem de Algumacena uma monstruosidade sonora numa caixa de ritmos que vai engrossando (loop) nos riffs da guitarra e nos sons de coro mais altivos. Foi uma mão cheia de músicas, mas a intensidade de cada tema e da energia que os músicos transmitiam, deixou-nos com a sensação de termos estado com o Alex e com o Ricardo a noite inteira!. “Os racistas não passarão”! Gritava Alex no refrão a fazer-nos lembrar os Bolsonaros e os Andrés Ventura desta vida.
Agradecimento ao Sabotage pelo convite e por estar a tocar num palco onde grandes músicos já tocaram, não esquecendo o facto de que o mesmo irá deixar de existir naquele espaço acolhedor. E para fechar, um momento que já vai sendo apanágio nas suas actuações, em que transforma a voz num rugir de animal feroz em sofrimento numa espécie de vómito satânico, acompanhado pelas fortes pancadas do micro na sua cabeça.
Um breve intervalo para respirar e trocar de cenário. O palco tornou-se pequeno para tanta gente e para tanta agitação! Os Pista são veteranos nestas andanças e exímios em tornarem os seus concertos numa folia constante. O trio do Barreiro (Cláudio Fernandes, Bruno Afonso e Ernesto Vitali), deixou de o ser nesta noite, passando a ser um quinteto de músicos em palco! Os ritmos tropicais fazem parte do seu ADN e vão buscar na sonoridade das suas guitarras todos os instrumentos de percussão dos países virados a sul do hemisfério. Um forro brasileiro, a roçar a sensualidade do kúduro angolano e a culminar numa salsa da América latina, tudo numa só composição! E esta grande festa não se faria sem o gingar caliente do Alex D’Alva (“o Dr. Alex D’Alva!”), que ao segundo tema saltou para o palco e se transformou num outro artista. Aquele Alex que tínhamos visto minutos antes, a puxar a voz em agudos animalescos, simplesmente tinha desaparecido.
Os dois álbuns de Pista, Bamboleio (2015) e Ocreza (2019) foram percorridos em toda a sua energia contagiante. Os “Galapinhos”, “A Tal Tropical” cantada e animada pelo Alex e “Sal Mão”. “Puxa” o single de 2014 que não deixa ninguém indiferente e que se tornou um dos temas mais conhecidos da banda. “Campipraia” com o Alex novamente em palco e mais umas quantas cheias de cor e ritmo. Uma noite cheia de sonoridades fortes, diversificadas e singulares. Ainda chovia quando saímos mas nós, estávamos muito mais animados do que quando chegámos!