A loucura está, muitas vezes associada à genialidade. Talvez seja o modo de os génios lidarem com o conhecimento isolado de várias realidades e dons. Ou, simplesmente, é algo que lhes vens associado e inerte com forma de plus à nascença. Não quero rotular ninguém de louco, mas sim falar de um génio com tiques deliciosos de louco. Um senhor que nos abriu os calorosos braços e nos apertou contra si no passado domingo, dia 23 de Fevereiro.
O conforto visual físico do Coliseu dos Recreios é o indicado para receber este tipo de génios, mas o caso pedia algo mais próximo e menos despido como uma Aula Magna.
A abrir as hostes, a guitarra portuguesa distorcida e empolgante de Filho da Mãe. Rui Carvalho é um one man band que trabalha com as mãos e os pés. Munido de uma guitarra, pedais e uma loopstation onde vai gravando as melodias que depois vai contrapor com outras. Pouco mais de meia hora esteve em palco e essa meia hora deu-nos uma viagem pelo cântico único da guitarra clássica que, por vezes, dispensa a companhia de uma voz, pois fala sozinha e complementa-se de forma única. Acordes de intenso tom misturaram-se com agudos e controlaram, de certa forma, o nosso batimento cardíaco. “Júpiter”, “Cerca de Abelhas”, “Praia”, “Camelos na Levadas” e “Manta” foram as músicas escolhidas para abrilhantar um início de noite que viria a cortar-nos o ar.
Em Outubro de 2019 Patrick Watson deu a conhecer Wave, o seu quinto álbum de estúdio. Portugal, enquanto país acarinhado, não podia ficar de parte da apresentação da sua nova criação. Foi assim que nesta noite de inverno tépido Patrick Watson, em jeito de mestria sábia e louca nos encheu o coração e nos cortou a respiração num só golpe que duraria quase 2 horas. Assistir a um concerto de Patrick Watson é como estar diante de uma obra prima nas suas mais diversas formas de contemplação sensorial. Visualmente cativante, auditivamente deslumbrante, mentalmente estimulante e fisicamente arrepiante. Este ser nascido e criado na província do Quebec tem a leveza de nos hipnotizar num só gesto ou nota. Nas mãos, tem o dom do piano e, apesar de uma loucura descontroladamente controlada, a expressão genuína que coloca na voz consegue transportar-nos para paisagens tão delicadas como negras, quase fazendo com que acordemos num filme qualquer de Tim Burton. A magia é densa mas a mestria também e tudo nos envolve num tom que vai em crescendo e nos afoga em ilusões nossas, dele e de todos.
Patrick partilha o palco com mais 5 pessoas, juntando um elenco de luxo para a criação de uma música encantada circundada de uma certa pureza. De forma seguida apresentou “Dream For Dreaming”, “The Wave”, “Strange Rain”, “Melody Noir”, “Wild Flower”, “Turn Out The Lights” e “Broken” tendo deixado “Look At You”, “Drive” e “Here Comes The River” para a recta final do concerto, tocando, assim o álbum na íntegra que, não podia ter recebido melhor aceitação. “Melody Noir” foi apresentada numa espécie de cântico à capela com algo de especial e transcendente à mistura. De seguida, não menos especial “Wild Flower” em formato acústico e de maestro de um público extremamente fácil e dado. A sua voz preferida de Portugal, Teresa Salgueiro, cantou com ele “Wooden Arms” que, de modo emocionado afirmou que não estava a saber lidar com aquilo. E tão grande que é ver um génio emocionar-se perante outro! “Adventures” transportou-nos para um bosque brilhante e bonito, rodeado de mistério e sons intrigantes e apetecíveis.
O encore começou no camarote presidencial, tal como no Mexefest em 2015, talvez daí o amor pela sala, com “Big Bird” à capela e um gigante arrepiar de almas, passou por “Turn Into The Noise” com a banda para tocar sozinho e com escolha do público “The Great Escape” e “Lighthouse”.
Entre histórias e estórias, risos descontrolados, simpatia e elegância, Patrick Watson e a sua banda voltou a conquistar Lisboa. Esperemos que o regresso seja breve e que tenha uma sala mais composta para receber tamanha grandeza.