NERVE é Tiago Gonçalves, ginasta da língua portuguesa cuja vara suportada equilibra os mundos entre a música e a poesia. E é dentro desse diagrama de Venn que nasceu o alter-ego de um homem que não teme em viver nas profundezas mais negras do hip-hop português, em ser um peixe-diabo negro por entre o cardume da música portuguesa.
No cimo da testa deste vertebrado aquático, jaz um isco luminoso capaz de reter as suas presas. Porém, o ponto incandescente deste artista não serve para se desfazer de presas, mas sim para iluminar o caminho dos centenas de devotos que encheram e esgotaram o Sabotage como há muito já não se via.
O mergulho por entre as águas do número 16 da Rua de S. Paulo é reminescente às temperaturas que se vivem pelas praias paradisíacas da América do Sul, quente e sufocante, um contraste ao ambiente propício para a sobrevivência do peixe que nadava por entre ilustrações nas indumentárias dos acérrimos fãs de NERVE.
Porém, os primeiros indícios de agitação marítima viriam pela mão de Il-Brutto e pelo seu vasto cardápio de beats instrumentais capazes de atiçar achas para uma fogueira cada vez mais incandescente que pegaria mesmo fogo à casa quando Tiago Gonçalves entra em palco para pregar os primeiros versos de “Queimar Pontes”, resgatado do estreante single Água do Bongo.
A poesia existente entre as faixas apresentadas por NERVE não só contêm autênticos malabarismos com a gramática como a capacidade de disparar em múltiplos alvos, sempre certeiros, e a uma velocidade estonteante. Não fossem as batidas de fundo a melodiar a sala e o Sabotage teria-se tornado num festival de slam poetry, tal não é a importância que as palavras desempenham no mundo de NERVE, mesmo quando o intenso calor da sala lá que obrigava a uma pausa para recuperar fôlego, não fosse um “homem ainda morrer por aí”, gracejou.
“Vamos conhecer-nos um pouco melhor?”, pergunta em jeito de antecipação ao primeiro momento que leva o público a citar cada verso e estrofe do cancioneiro de Tiago Gonçalves: “Monstro Social”. Até lá, cada um ia absorvendo o dicionário de NERVE ao seu próprio ritmo, decifrando-se mensagens subliminares ou fazendo-se as suas próprias interpretações pelo caminho.
E durante esse percurso, muito do repertório de NERVE, desde Auto-Sabotagem a Trabalho e Conhaque, viu o seu caminho ferver as paredes do Sabotage, desde “Água do Bongo”, “Chibo” ou até as colaborações “Funeral” (Mike El Nite) e “Ingrato” (Stereossauro), mas a grande surpresa da noite veio através do convite a Tilt para partilhar o palco e juntar-se a NERVE e Il-Brutto numa versão de “Eliminação” (Fuse).
O salmo terminal, e aquele capaz de arrancar a seco o resto de energia do público, surgiu através do sempre apetecível isco “Nós e Laços””, cuja aproximação entre artista/público proveniente do palco proporcionou um ambiente ainda mais intimista para aquela que, muito possivelmente, é das canções de NERVE mais facilmente relacionáveis, e “Tríptico”, o seu mais recente tema editado. E assim se fez o sermão de Tiago Gonçalves aos peixes: entre o fogo e a água, entre a música e a poesia.