Há momentos de transição na nossa vida onde mudam variadas coisas. Mudamos nós, muda a forma como olhamos para o mundo, mas há algo que nunca muda, o gosto pela música. A música, bem essencial e modo de vida e de viver de muitos de nós, acompanha-nos como um fiel amigo e é nela que vamos buscar a força que muitas vezes não temos ou, até, com ela que passamos mensagens. No fundo, hoje queria falar de duas transições: a de entrada nos 30 (que é, sem dúvida, a melhor década dos dias de hoje – não de hoje relativamente ao vírus, mas desta época que vivemos) e a de fecho de ciclo de músico enquanto banda e correspondente assunção enquanto afirmação de pessoa singular e despida de qualquer manto. Depois Logo Se Vê é o disco de estreia de Pedro de Tróia e tem na sua aura a crueza, inocência e muito que contar.
Pedro de Tróia fez 30 anos mas tem dentro de si o gosto singular que poucos da sua geração têm – a pop portuguesa dos 80/90. Essa pop que muito inspirou e fez dançar. A pop cantada em português que falava de guerras externas e internas, de amores e desamores, de quotidianos simples, de drogas, de liberdades adquiridas e, acima de tudo, a pop que nos aqueceu a adolescência. Faço parte do grupo de pessoas que ama essa pop e sempre tive um gosto especial por este rapaz franzino de humor negro que tão bem assumia a liderança dos Capitães da Areia. Pedro de Tróia despiu-se e decidiu dar a mão à sua fiel amiga música para revelar transições, desconstruir estados de espíritos e, de certa forma, encarar o melhor possível, esta incerteza à qual chamamos vida, sempre envolto num brilho ritmado que nos empurra suavemente para uma pista de dança.
Depois Logo Se Vê é um disco pop, como já disse. Com sintetizadores e acordes simples, com palavras que rimam e muita melodia. Para além de ser um disco pop é um disco com algumas mensagens e uma linguagem sonora extremamente simples e bela. São 10 as faixas que o compõem e cada uma representa um momento seu e uma história, algo como a apresentação de um livro com os seus capítulos. O todo, uno e forte, reporta-me a uma inocência pura e feliz. Ouvir este disco humedece-me de forma ternurenta os olhos e traz-me a nostalgia da infância. A infância no verão, alegre, livre e liberta num misto entre inocência com fogo rebelde e audácia de arriscar o proibido. Este disco afirma a vontade de viver e o gosto pela vida tudo, sempre, na sua forma mais simples e bela.
Se alguém tem o dom e a capacidade de poder cantar em português de forma bem feita, ao contrário de muito que vê por aí, esse alguém é Pedro de Tróia. Acrescenta a isso uma dualidade entre desânimo e esperança e, acima de tudo, entre simplicidade e pureza e a grande complexidade de pensamento e mensagens (muitas vezes apelos). Depois Logo Se Vê abre com “Embaraçado”, primeiro single a ser apresentado, com uma brisa a anos 80 bem frisada na introdução; oscilando depois entre estados de ansiedade, depressões, alegrias breves, apelos escondidos, momentos marcantes, declarações de amor, cicatrizes escondidas e, muita alma. Tudo embrulhado num círculo viciante de cor e ritmo onde nos apetece abraçar-nos a nós próprios e dançar suavemente de tez serena.
O disco saiu no passado dia 6 de Março e seria apresentado no dia 13 no MusicBox. Quis o destino que isso não acontecesse e, talvez, quando acontecer vá ter ainda mais força.
Para já, enquanto aguardamos, abanemos a anca em casa, metendo play aqui.
Fotografia capa – Gonçalo Portugal Guerra