A era actual em que vivemos carrega consigo o peso de uma ilusão. Uma ilusão que nós próprios, enquanto sociedade de aparências, criámos. O peso é grande e transita para campos que ultrapassam a própria imagem instalando-se no campo do consumismo em massa e da falta de pensamento próprio. No fundo, queremos tanto ter uma imagem certa e cativante, que deixamos de ser nós próprios para seguir estereótipos e perdemo-nos no caminho, deixando de lado a essência e o que, realmente, interessa. Trata-se de um jogo de poder onde nos tornamos reféns da nossa própria ilusão e onde somos comandados por forças superiores que vivem numa corrida de cifrões, onde nada mais releva, nem mesmo a vida.
Falta-nos a noção de muita coisa, principalmente, do tamanho da nossa exposição. Da extrema manipulação do que chega até nós desde o simples anúncio ao discurso político. As redes sociais passaram a estar em primeiro plano ao invés das redes pessoais e tudo isso é demasiado triste.
Gran Pantalla é um disco forte e de convicções vincadas. É um disco que nos leva a lembrar que (pelo menos muitos de nós) vivemos uma infância e início de adolescência sem tecnologia e o quão fomos felizes assim. Lembra-nos, também, o quão dependentes estamos da internet e, em muitos casos, das redes sociais.
Os Biznaga são o Álvaro (voz + guitarra), o Jorge (baixo + voz), o Pablo (guitarra + voz) e Milki (bateria) uma banda sediada em Madrid que se centra na revolta pela disparidade social e luta contra o poder político. Uma banda actual, forte e congruente nas mensagens. Uma banda que alia à mensagem, a pureza e sujidade do rock sem limites, um rock mais próximo do punk que nos liberta de preconceitos e nos eleva o corpo numa ambiência de libertação genuína e sem merdas.
Formados em 2012, foram-me apresentados em 2016, ao vivo no Barreiro Rocks e desde aí, nunca mais os larguei. Gran Pantalla é o terceiro disco que fazem e o primeiro conceptual. Habituados a criar à medida que tudo ia saindo do corpo e da mente, decidiram fazer algo diferente. Um disco que aborda a temática que descrevi na introdução, aquela que descreve a nossa prisão às redes sociais. Apesar de serem uma banda mais rock do que punk, é no palco a sua essência punk se revela e os transcende. Gran Pantalla é um disco elaborado e de boa produção. É um disco limado, que respira e sem a sujidade que se espera dos Biznaga. No entanto, a voz de Álvaro mantém a essência suja e crua do punk e de todo o movimento que são e que formam.
Este disco é composto por 12 faixas em nada secantes ou grandes. Dessas 12, 2 são interlúdios que nos mostram “usos” e “abusos”, sendo a primeira uma faixa ansiosa e a outra penosa, densa e mais negra. Em todo o disco o trabalho de cordas materializa-se numa produção bem delineada e cuidada, primando em contornos que se entrelaçam e criam melodias constantes e viciantes, tal como a internet. Há todo um respirar entre acordes e, entre suspiros, guitarras assanhadas e cheias de revolta. A bateria de Milki aumenta-nos o ritmo cardíaco tanto como o diminui e tudo se conjuga em perfeita comunhão com o objectivo de nos desenhar na mente e no corpo toda a concepção que está por detrás deste trabalho. “Ventanas Emergentes” carrega logo de início o peso de um grito de liberdade, abrindo espaço para o primeiro single apresentado. “2k20” eleva bastante as expectativas e injecta-nos uma enorme vontade de saltar. Há toda uma revolta que surge, talvez, numa possível falta de controlo que se reflecte mais em “Motores de Búsqueda Avanzada”. Em “Error 404” encontramos uma grande malha com uma melodia orelhuda que explode na nossa cabeça e nos faz abanar com ela. Ironicamente, “Libertad Obligada” descreve a situação que muitos de nós vivem de teletrabalho e “No-Lugar”, segundo single apresentado, acelera o coração ao mesmo tempo que o aperta. O disco termina com “Último Episodio”, também, último single a ser apresentado. Talvez o mais forte na sua mensagem, tanto a nível de lírica como e imagem.
Neste momento, Gran Pantalla atingiu o top 5 de vendas em Espanha e não deixa de ser um paradoxo. Aborda uma temática viral e de grande importância na vida do dia-a-dia, ao mesmo tempo que, a mesma, se tornou nossa companhia nesta altura de quarentena e isolamento. Acredito que as coisas acontecem no tempo certo. Cada um que tire as suas próprias conclusões.
Os Biznaga iam estrear-se no South by Southwest com este disco. Iam também começar uma tour de apresentação. Enquanto esperamos por essa tour, deliciemo-nos com este agradável paradoxo aqui.