Há já algum tempo que questiono acerca da importância do tempo na vida do ser humano que, a meu ver, está a par da saúde. O tempo é um dos bens mais preciosos que temos e não temos. Que usamos, gastamos, vivemos e, muitas dessas vezes, sem o saber aproveitar. A idade vai-nos ensinando a geri-lo e a experiência, a escolher onde gastá-lo. Neste momento, encontramo-nos numa posição onde a vida, de uma maneira menos agradável, nos ofereceu algum tempo. Existem, porém, situações de combate entre algo que nos domina e o tempo. Esse algo é a mente e os resultados têm-se mantido equilibrados entre o ganhar, o perder e o empatar.
É em tempo de quarentena que o grande percussionista nortenho João Pais Filipe nos oferece uma espécie de odisseia rítmica embrulhada no combate que descrevi acima.
Para além de traçar encruzilhadas, instigar combates e desconstruir nirvanas, João Pais Filipe, consegue-o com a ajuda do talento de esculpir os seus próprios gongos e pratos, podendo desenhar um caminho sonoro próprio, criando um diálogo cada vez mais pessoal e ao seu comando com o ouvinte que, por sua vez, embarca numa experiência sonora excêntrica, tântrica e quase transcendental que se divide em múltiplas experiências sensoriais e sonoras. Depois de um disco Homónimo em 2018, com uma onda exploratória mais virada para a electrónica e o techno, em Sun Oddly Quiet, João Pais Filipe decide dar um salto no desconhecido sem medo e com a confiança e audácia de quem sabe o que faz. A bateria canta mantras através de ritmos numa experiência única de sons e sensações onde nos deparamos com uma força que nos pressiona e, ao mesmo tempo, nos alivia.
É obrigatório que o ouvinte ouça este disco de olhos fechados e de phones, para poder ser tocado por cada som, cada ritmo e cada suspiro. Sun Oddly Quiet, tal como o nome indica é um disco que aspira a tranquilidade, podendo, por vezes despertar ansiedades inquietas quando o lado que queremos não está a ganhar o combate. É, também, um disco de percussão e, por isso, de fácil manipulação cardíaca, assim é possível que surja, igualmente, algum tipo de ansiedade indesejada e descontrolada. No entanto, nem tudo o que está fora do nosso controlo tem de ser mau ou assustador, se nos deixarmos guiar, a experiência consegue ser gratificante.
Esta experiência é composta por 4 fases ou estágios, todos com uma loopstation que ajuda na composição de vários ritmos e tonalidades. A primeira faixa, “XV”, e primeiro single a ser apresentado tem uma sonoridade de fundo bastante inquietante que se completa com ondas que vão e vêm de um lado para o outro numa espécie de boomerang, terminado em formato algo celestial.
A faixa seguinte, “XI”, é a mais extensa do álbum, começando de rojo como um ritmo rápido e extremamente ansioso e algo assustador. São 11:35 de densidade e poder que nos vão cortando o ar à medida que a música avança, como se estivéssemos a caminhar em direcção ao topo de uma montanha íngreme. “XIII” traz-nos um zumbido magnético de introdução que depois vai sendo acompanhado por vários corpos diferentes. Na recta final há a introdução de um som agudo, perturbador e, até, sinistro que termina com um suspiro de alívio. O disco termina com a faixa mais curta, “V”, que nos transporta ao espaço e a um local meio transcendente e especial. Ali queremos ficar e contemplar, efectivamente, a ideia de tempo no seu todo e a falta de poder que temos sobre ele, tal como sobre a mente.
A complexidade e mestria é tal que chego ao final do disco, após um momento extremamente forte e catártico, sem perceber quem, efectivamente, ganhou!
Esta experiência sonora viu a luz do dia no passado dia 24 de Abril com o selo da Lovers & Lollypops e pode ser sentida e desfrutada aqui.
Fotografia capa – Renato Cruz Santos