Tenho vindo a falar dos encantos de Coimbra que são vários e em vários tons. Hoje vou afastar-me ligeiramente do encanto do punk e do rock’n’roll e perder-me no encanto sonhador de outra vaga de destreza e qualidade musical.
Por vezes, faz falta fugir do mundo real e dar um salto no desconhecido mundo encantado onde a fantasia e os sonhos ditam o sentido dos dias. Há um disco que, quiçá, surge do coração do bosque do Choupal e vem embrulhado em brilhantina, sonhos e poções de deslumbramento que nos vai fazer mergulhar nesse mundo e nos guiar por uma viagem a uma felicidade genuína, elegante e cheia de luz.
Há 5 anos que não entravam em estúdio e o resultado destes 5 anos foi uma audácia na renovação de uma qualidade sonora com uma identidade mais cuidada, mais pop, completa, leve, destemida e extremamente luxuosa.
Falo dos Mancines e do seu novíssimo disco II que fora lançado no passado dia 24 de Abril pela Lux Records.
Os Mancines são a Raquel Ralha (Wraygunn, Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet e The Twist Connection) na voz + auto-harpa; o Toni Fortuna (d3o, Tédio Boys, M’As Foice) na voz + guitarra; o Pedro Renato (Belle Chase Hotel, Azembla’s Quartet) na guitarra + teclas e o Gonçalo Rui nas teclas + guitarra, ao vivo fazem-se acompanhar por Luís Formiga na bateria e João Cação no baixo. É Pedro Renato quem compõe as canções com as letras da Raquel e do Toni e, todos juntos, mostram-nos um céu iluminado de estrelas numa viagem que passa por bandas sonoras de filmes e de histórias que vivem no nosso imaginário.
II é um álbum que deixa um rasto de purpurina. Cada música tem uma luminosidade própria e enche-nos o peito de uma alegria genuinamente pura e brilhante conseguindo encontrar tanto influências de pop como avant funk e new wave. O rock é afastado e o palco abre-se para a leveza, ainda que cheia e completa, da pop no seu estado mais belo. “Is This A Go?” foi o single de apresentação desta viagem, aqui começam com uma espécie de contos de fadas que rapidamente nos coloca umas asas e nos faz voar sobre um país de maravilhas. Noto uma forte presença do lado avant funk dos Talking Heads, conferindo todo um glamour à música.
“Better Man” revela-se uma mais faixa mais sonhadora e tranquila que nos embala para entrarmos no mistério grandioso daquela que creio ser a faixa mais orelhuda do álbum. “The Spirit Of The Blues”, com letra de JP Simões, remete-nos imediatamente para uma certa onda clássica de filmes a preto e branco com alguma fantasia mas com argumentos digno de óscares. “Higher and Higher”, por sua vez, empurra-nos para o meio de um romance e “Mancinema” e “Some Rice” apresenta-nos a princesas. “O Poço” é uma estreia na língua portuguesa! Com letra e estilo de Samuel Úria, é uma faixa intrigante que, automaticamente, nos coloca no centro da mira do genérico do 007 dos anos 80. Há aqui muito calor, suspense e emoção! “Réves Lucides” é a primeira de duas músicas cantadas em francês e extravasa sensualidade ao ponto de pingo de mel em modo cabaret. Mais adiante, “Good Seed”, talvez a minha segunda música de eleição do disco, envolve-se em efeitos encantadoramente sedutores, charmosos e requintados, dando vontade de trincar levemente o lábio e, de olhos fechados, já pousados num ramo do bosque, descer lentamente até ao chão onde dançamos numa entrega feliz e pura no meio de fadas. Não bastando a qualidade presente neste disco, ainda nos oferecem o extra da versão dos Heróis do Mar da música “Fado”. Uma versão quase que animada e sem pitada de rock mas com muita pop sofisticada.
Já no chão, mas ainda com as asas postas, é tempo de despertar deste mundo de fantasia onde tanto nos faz bem entrar sempre que precisemos de ver as cores da vida.
Podem fazer esta viagem aqui.
Fotografia capa – Bruno Pires